Helena Moniz
Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
A Lei n.º 5/2008, de 22 de Fevereiro, aprovou a criação de uma base de dados de perfis de ADN com finalidades de identificação civil e investigação criminal. A partir da sua análise, pretende-se responder a diversas perguntas: em que condições o perfil de ADN pode ser integrado na base? Pode ser integrado um perfil de um suspeito? E o de um condenado? Há armazenamento de amostras biológicas? Quais os perfis que podem ser cruzados e em que condições? Porém, a resposta a estas perguntas é diferente quando olhamos para outros ordenamentos jurídicos, como os da Alemanha, França, Espanha ou Itália. Ora, tendo em conta a necessidade de transmissão de informações de perfis de ADN e de consulta e comparação automatizada de perfis de ADN entre os Estados membros, imposta pelas Decisões- -Quadro 2008/625/JHA e 2008/616/JHA, de 28 de Junho de 2008, em que medida a diferença de legislação entre os países da União Europeia impede ou não o cumprimento destas decisões? Em que medida o intercâmbio destas informações, nomeadamente dos perfis de ADN põe ou não em causa o direito à reserva da vida privada e o direito à presunção de inocência?
A Lei n.º 5/2008, de 22 de Fevereiro, aprovou a criação, para fins de identificação civil e criminal, de uma base de dados de perfis de ADN, sempre obtidos com base em marcadores que não permitam captar qualquer informação de saúde ou informação sobre as características hereditárias [art. 2.º, al. e)](2).
A junção na mesma lei da criação de bases de dados de perfis de ADN para finalidades tão distintas — identificação civil e identificação com finalidades criminais — merece um esclarecimento.
Na verdade, era propósito inicial do Governo de Portugal criar uma base de perfis de ADN para toda a população(3). É claro que esta opção poderia trazer vantagens como, por exemplo, o cumprimento efectivo do princípio da igualdade. Mas, quando esta intenção chegou aos jornais, de imediato foram muitas e diversas as vozes contra, pelo que, e de acordo com o art. 6.º da Lei, a construção de uma base de dados geral será feita “de modo faseado e gradual, a partir da recolha de amostras em voluntários” (art. 6.º, n.º 1). Para tanto, os voluntários devem dar um consentimento expresso (art. 6.º, n.º 1)(4), sendo os perfis conservados por tempo ilimitado; salvo se o voluntário pedir para que seja retirado da base — o que pode fazer a todo o tempo [art. 26.º, n.º 1 al. a) e art. 14.º, al. a) do Regulamento da Base entretanto aprovado; aquando da colheita da amostra para a obtenção do perfil a integrar na base, o voluntário recebe um documento onde lhe é dada toda a informação sobre a constituição da base, as finalidades, a possibilidade de retirada do perfil da base… — anexo III do regulamento].
Mas, a lei permitiu o cruzamento da informação(5) contida no ficheiro de perfis de ADN de voluntários com, por exemplo, […]
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(1) O texto que se apresenta (com excepção das notas de rodapé) serviu de base à intervenção em The Forensic DNA-databases in EU countries and cross-board cooperation against crime. The new Portuguese Law (Law 5/2008, 12th. February.2008), apresentada na International Conference — New Challenges for Biobanks; Ethics and Governance, que decorreu nos dias 18-20 de Maio de 2009, em Leuven, Bélgica.
(2) Os marcadores de ADN devem ser fixados por portaria, de acordo com o art. 12.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2008; trata-se da Portaria n.º 270/2009, de 17 de Março.
(3) O programa do XVII Governo Constitucional dizia: “será criada uma base geral de dados genéticos para fins de identificação civil, que servirá igualmente fins de investigação criminal (assegurando-se que a respectiva custódia não competirá a órgão de polícia criminal)” (itálico meu).
(4) Seguindo o formulário aprovado pelo Regulamento de funcionamento da base de dados de perfis de ADN. anexo I (Deliberação n.º 3191/2008 do Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P, DR, 2.ª Série, n.º 234, de 3 de Dezembro de 2008, p. 48881-6).
(5) Nos termos do art. 20.º da lei n.º 5/2008 são as seguintes as possibilidades de cruzamento da informação contida nos diversos ficheiros:
1) perfis obtidos de arguidos (art. 8.º, n.º 1) podem ser cruzados com os perfis obtidos em:
— cadáver, parte de cadáver, amostras obtidas em local onde se proceda a buscas com finalidades de identificação,