A detenção de estrangeiros e requerentes de asilo – um Direito sem fronteiras no mapa do Humanismo europeu [1]

Plácido Conde Fernandes
Magistrado do Ministério Público; Docente do Centro de Estudos Judiciários
Professor Auxiliar Convidado da FCSH da Universidade Nova de Lisboa
placido.conde.fernandes@mpublico.org.pt

SUMÁRIO: 1. Os estrangeiros, a imigração e o asilo, no “espaço europeu de liberdade, segurança e justiça” 2. A “livre de circulação” de direitos humanos 3. A imigração, a crise económica mundial e a “Euro-crise” 4. A imigração e a ameaça global do terrorismo internacional 5. Estado material de direito “escrever direito por leis tortas” 6. Detenção e vulnerabilidade – o Projecto DEVAS 7. A detenção na lei de estrangeiros portuguesa: razão de ordem 8. A detenção de estrangeiros em situação irregular 9. A detenção na denominada zona internacional dos portos e aeroportos 10. A detenção de requerentes de asilo ou de protecção subsidiária 11. Perspectivas futuras
“O direito é a realidade que tem por sentido servir a justiça”
Gustav Radbruch, Rechtsphilosophie
“A tolerância deve conduzir ao reconhecimento.
O mero suportar significa ultrajar”
Goethe, Máximas e reflexões

1. Os estrangeiros, a imigração
e o asilo, no “espaço europeu
de liberdade, segurança e justiça”

A Europa para o Século XXI é um projecto cuja riqueza e grandeza não deve mobilizar apenas os povos da Europa, mais que não seja pela dimensão do seu legado civilizacional, cultural, humanista, social, político e económico, moldado na vida das suas instituições e habitantes.

O Tratado de Lisboa preconiza o reforço de um espaço europeu comum, no qual as pessoas circulem livremente e beneficiem de uma garantia judiciária eficaz. A realização de um espaço deste tipo engloba domínios em que as expectativas dos cidadãos são elevadas, tais como a imigração, a luta contra a criminalidade organizada ou o terrorismo. Face à dimensão transfronteiriça destes fenómenos é inevitável uma cooperação eficaz a nível europeu. É com este sentido que o Tratado de Lisboa, no âmbito do “espaço de liberdade, segurança e justiça”[2], atribui novas competências às instituições europeias, que passam a poder adoptar medidas que visem implementar uma gestão comum das fronteiras externas da União Europeia[3], criar um sistema europeu comum de asilo, pressupondo um estatuto europeu uniforme e processos comuns de atribuição e recusa de asilo; e definir as regras, as condições e os direitos em matéria de imigração legal. A política comum de imigração deve garantir: a gestão eficaz dos fluxos migratórios; o tratamento equitativo dos nacionais de países terceiros que residam legalmente nos Estadosmembros; a prevenção e o reforço do combate à imigração ilegal; a prevenção e o reforço do combate ao tráfico de seres humanos (art. 79º TFUE).

As políticas europeias de imigração têm cuidado mais do combate à imigração clandestina, limites à entrada e circulação de estrangeiros no Espaço Schengen, e criminalidade associada, do que propriamente ao apoio e integração dos imigrantes, das suas famílias e comunidades, tendo em consideração o seu real contributo para o desenvolvimento económico e o equilíbrio da pirâmide demográfica da União, uma distribuição da riqueza mais justa ou o incentivo do multiculturalismo. Todavia, desengane-se quem pensa que poderá construir-se um espaço de liberdade, com segurança e justiça, sem pacificação social ou à margem dos valores da tolerância […]


[1] Corresponde fundamentalmente ao texto “A «livre circulação» de direitos humanos no «espaço europeu de liberdade, segurança e justiça» – Detenção de estrangeiros e requerentes de asilo”, incluído em “Muros que nos Separam – Detenção de Requerentes de Asilo e Migrantes Irregulares na UE “, do Serviço Jesuíta aos Refugiados, editado na sequência do Projecto DEVAS – “Detention of Vulnerable Asylum Seekers”; o qual foi reformulado e ampliado, com os contributos vertidos na sessão de lançamento do livro, dia 10 de Dezembro de 2010, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

[2] Enunciado no art. 3º n.º 2 do Tratado da União Europeia, é regulado no Título V, da Parte III (“As Políticas e Acções Internas da União), do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, sendo os arts. 77º a 80º que regulam especificamente esta matéria.

[3] Nesta área é crucial o reforço das atribuições e eficácia da Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas – FRONTEX.