Ana Rita Gil [1]
A detenção de imigrantes levantou sempre algumas dúvidas e perplexidades. Através desse instituto, a liberdade de pessoas é restringida independentemente da prática de crime. Essa restrição de um dos direitos mais básicos da pessoa humana – a liberdade – é justificada exclusivamente pelos interesses estaduais de controlo da imigração. A isso não é alheio o paradigma vigente, de acordo com o qual os Estados são soberanos e mantêm alguma discricionariedade no que toca ao controlo de entrada e permanência de estrangeiros nos territórios. A imigração irregular é um desafio a esses poderes soberanos, e os Estados tentam combater a mesma através de medidas que visam dissuadir esse fenómeno. A detenção de imigrantes é uma delas. No actual estádio de desenvolvimento do Direito, a detenção de imigrantes é aceite quer pelo Direito Internacional, quer pela nossa ordem jurídica interna. A jurisprudência de vários órgãos quer internacionais quer nacionais tem, porém, vindo a afirmar a existência de limites à aplicação deste tipo de medidas, que se têm traduzido em verdadeiras garantias para os imigrantes detidos. O escopo deste estudo é constituir um guia para essa jurisprudência – quer internacional (1.), quer da União Europeia (2.), quer dos tribunais portugueses (3.).
1. A Detenção de imigrantes à luz dos instrumentos internacionais de protecção dos direitos humanos A detenção de estrangeiros motivada apenas pelo cruzamento de fronteiras sem posse dos documentos necessários, ou antecedendo um processo de expulsão, não é interdita enquanto tal pelo direito internacional. Não obstante, dos vários instrumentos de protecção dos direitos humanos derivam limites à aplicação dessa medida. De facto, de acordo com um princípio de Direito Internacional, ninguém pode ser sujeito a detenção arbitrária. Esse princípio consta desde logo dos art. 3.º e 9 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e é aplicável, por força do princípio da universalidade, quer a nacionais quer a estrangeiros, de igual forma. Ele foi reafirmado, de resto, no art. 5.º, al. a) da Declaração dos Direitos Humanos das Pessoas que não possuem a nacionalidade do país em que vivem[2]. Nos termos dessa norma, “nenhum estrangeiro poderá ser arbitrariamente detido nem preso; nenhum estrangeiro será privado de sua liberdade, salvo pelas causas estabelecidas pela lei e conforme o procedimento estabelecido nesta”. Outros instrumentos internacionais de protecção dos direitos humanos contêm normas semelhantes. O art. 37.º da Convenção dos Direitos da Criança de 1989 estipula que toda a criança […] |
[1] Doutoranda e Investigadora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Membro da Rede “Destituição e Direitos Humanos”. O presente artigo corresponde ao capítulo escrito pela autora para o livro Muros que Nos Separam – Detenção de Requerentes de Asilo e Migrantes Irregulares na União Europeia, publicado pelo JRS Portugal em parceria com a Editora Paulinas, 2010.
[2] Adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas na Resolução n.º 40/144 de 13 de Dezembro de 1985. |