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Um comentário comparado ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/2009 do Supremo Tribunal de Justiça.
Júlio Barbosa e Silva
Auditor de Justiça (Ministério Público)
1.ª PARTE
1.1. A questão e a interpretação dada pela Jurisprudência e doutrina anterior ao AUJ 3/2009 ao problema do desconto na medida tutelar de internamento da medida cautelar de guarda em centro educativo.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro (doravante designada por LTE), a 1 de Janeiro de 2001, operou-se uma alteração importante na intervenção estadual relativa ao cometimento de factos qualificados como crime por parte de menores com idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos (cfr. artigo 1º da LTE).
Não sendo o objectivo deste trabalho proceder à análise das motivações e antecedentes que fizeram surgir a necessidade de aprovação da LTE, sempre se dirá que ela surge como uma “terceira via” que harmoniza “em si a salvaguarda dos direitos do menor – o que conferirá legitimidade à intervenção – e a satisfação das expectativas comunitárias de segurança e paz social – o que lhe conferirá, por sua vez, eficácia.”(1).
Responsabilidade e educação, são, assim, os objectivos primordiais a atingir com o desenho legal colocado em prática pela LTE, abandonando o modelo puro de protecção, vigente em Portugal até à entrada em vigor daquela lei. O menor passou a ser um pleno sujeito processual, com os direitos e deveres que lhe são inerentes.
Na sequência da entrada em vigor da referida lei, a sua prática revelou, por vezes, algumas dificuldades de interpretação, motivada pela sua não previsão (omissão? lacuna?) ou não explicitação no texto legal, que até há bem pouco tempo causavam cisões e discussões entre quem lidava com a LTE no dia-a-dia.
Entre essas diversas interpretações estão, hoje, duas situações que nunca foram capazes de gerar consenso(2):
a) A primeira prende-se com a temática da desistência de queixa no âmbito da LTE. Uns(3) advogam a aplicação pura e simples das regras penais e processuais penais, admitindo-se a desistência do procedimento em crimes particulares e semi-públicos. Apesar de ter sido validamente apresentada a respectiva queixa, o ofendido seria quem tinha legitimidade, querendo e estando reunidas as respectivas condições, para colocar um fim ao processo através da desistência.
Outros(4) pugnam, ao invés, pela não aplicabilidade das regras penais e processuais penais relativas à desistência da queixa. […]
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(1) cfr. Anabela Miranda Rodrigues e António Carlos Duarte-Fonseca, Comentário da Lei Tutelar Educativa, Reimpressão, Coimbra Editora, 2003, página 19.
(2) As duas situações que se irão referir já foram apontadas, entre outras, no extenso relatório elaborado em 2004 (e disponível na Internet), pelo Observatório Permanente da Justiça Portuguesa do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, intitulado Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa. Uma avaliação de dois anos de aplicação da Lei Tutelar Educativa, em especial páginas 687 e 693.
(3) cfr., por todos, Rui do Carmo Moreira Fernando, “Lei Tutelar Educativa. Traços essenciais na perspectiva do Ministério Público.” in Direito Tutelar de Menores, O Sistema em Mudança, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Centro de Direito da Família e Procuradoria-geral da República, Coimbra Editora, 2002, páginas 125 e 126.
(4) cfr., Relatório Final da Comissão para a Reforma do Sistema de Execução de Penas e Medidas – Direito de Menores, in Anabela Miranda Rodrigues e António Carlos Duarte- -Fonseca, Comentário da Lei Tutelar Educativa, Reimpressão, Coimbra Editora, 2003, páginas 183 e 443/444; Tomé d´Almeida Ramião, Lei Tutelar Educativa, anotada e comentada, Jurisprudência e Legislação conexa, Quid Iuris, Sociedade Editora, Março de 2004, página 115, anotação nº 5 e ainda Helena Bolieiro e Paulo Guerra A Criança e a Família – Uma questão de Direito (s). Visão Prática dos Principais Institutos do Direito da Família e das Crianças e Jovens, Coimbra Editora, 2009, página 130.