Cooperação Judiciária Clássica
vs.
A Convenção de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal de 29 de Maio de 2000 (1)

 

Sandra Elisabete Milheirão Alcaide
Procuradora-Adjunta

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A Cooperação Judiciária “clássica”. 3. O que de novo nos traz a “Convenção 2000”? 4. O Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal. 4.1. Definição. 4.2. Traços fundamentais do regime do Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal. 4.2. a) Requisitos de forma. 4.2. b) Transmissão dos pedidos. 5. Princípios subjacentes à Cooperação Judiciária Internacional. 6. Dimensão operacional da Cooperação Judiciária em matéria penal. 7. O que faltou até hoje à Cooperação Judiciária “contemporânea”? 8. Conclusões. Bibliografia.

I – INTRODUÇÃO:

A globalização a que o mundo, e em particular a Europa, vem assistindo nos últimos tempos, trouxe consigo uma mudança de paradigma em vários prismas, designadamente, a mobilidade das pessoas, bens, serviços e capitais, põe em causa a tradicional lógica da territorialidade e até mesmo a concepção de cidadania (fala-se hoje de uma cidadania europeia).
Paralelamente, o mesmo fenómeno da globalização produz alterações no (sub)mundo da criminalidade, que passa a caracterizar-se pelo recurso a sofisticadas tecnologias de informação, que pela rapidez, volatilidade, agressividade e violência na sua actuação, trazem um novo campo de problemas a que o Direito Penal tradicional, orientado exclusivamente para a protecção dos bens jurídicos individuais e concretos, deixou de conseguir dar resposta adequada.
Cedo os Estados se aperceberam das limitações com que se deparavam nos seus ataques individuais a essa nova criminalidade, vendo na cooperação judiciária um meio mais eficaz para tal combate. Porém, num primeiro momento, cooperam entre si tendo em vista (apenas) alcançar o interesse próprio de cada um desses Estados, cooperação essa espartilhada pelos conceitos de soberania e territorialidade.
Progressivamente, as relações de cooperação judiciária “clássicas” que durante muito tempo prevaleceram entre os Estados-Membros, acabam por dar lugar a um sistema que põe em causa os tradicionais princípios da territorialidade e da soberania dos Estados em matéria penal, abrindo espaço à livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, quer na fase pré-sentencial, quer após o trânsito em julgado da decisão que põe termo ao processo.
A cooperação judiciária é, finalmente, perspectivada como um interesse próprio da União de que esses mesmos Estados fazem parte e surge, então, no âmbito da construção do “espaço” de uma Europa Judiciária, que visa alcançar um maior equilíbrio em matéria de liberdade, segurança e justiça.

2. A Cooperação Judiciária “clássica

Da análise dos instrumentos comunitários existentes resultam cinco formas distintas de Cooperação Judiciária no âmbito da União Europeia, […]

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(1) O presente trabalho foi elaborado no âmbito das aulas teórico-práticas de Direito Processual Penal do 2.º Ciclo de Estudos em Direito Penal, leccionadas pela Ex.ma Senhora Professora Doutora Anabela Miranda Rodrigues, no ano lectivo 2009/2010. Por motivos estritamente relacionados com o tema concreto que nos foi proposto, este estudo centra-se na cooperação judiciária europeia e culmina na Convenção 2000, razão pela qual não se abordam os instrumentos internacionais que vieram a ser adoptados posteriormente, pese embora a evidente importância dos mesmos na evolução da cooperação judiciária europeia, pelo que,pontualmente, se alude em nota de rodapé, a alguns desses instrumentos de cooperação judiciária em matéria penal posteriores à Convenção 2000, o que constitui já um acrescento ao trabalho inicialmente apresentado.