Declaração de Bordéus*

(Conselho da Europa)

O Relacionamento entre Juízes e Procuradores
(Juízes e Procuradores numa Sociedade Democrática)(1)

O Conselho Consultivo de Juízes Europeus (CCJE) e o Conselho Consultivo de Procuradores Europeus (CCPE), em resposta ao pedido do Comité de Ministros do Conselho da Europa de um parecer sobre o relacionamento entre juízes e procuradores, acordaram o seguinte:

  1. O interesse da sociedade requer que o Estado de direito seja garantido por uma justiça equitativa, imparcial e eficaz. Os procuradores e juízes devem velar, em todas as fases do processo, por que os direitos e as liberdades individuais sejam garantidos e por que a ordem pública seja protegida. Tal implica o respeito absoluto dos direitos dos arguidos e das vítimas. Uma decisão de arquivamento pelo procurador deve ser susceptível de reapreciação judicial. Uma opção seria permitir que a vítima apresentasse o caso directamente ao tribunal.
  2. Uma justiça equitativa exige o respeito da igualdade de armas entre o Ministério Público e a defesa. Implica igualmente o respeito da independência do tribunal, do princípio da separação dos poderes e do efeito vinculativo das sentenças definitivas.
  3. A função distinta mas complementar dos juízes e procuradores é uma garantia necessária a uma justiça equitativa, imparcial e eficaz. Se é certo que os juízes e procuradores devem ser independentes no exercício das suas funções, devem igualmente sê-lo e aparentá-lo nas suas relações mútuas.
  4. Devem ser postos à disposição da justiça meios organizativos, financeiros e materiais, bem como recursos humanos suficientes.
  5. Os juízes e, se for o caso, os júris têm por função julgar os casos que lhes são regularmente apresentados pelo Ministério Público, sem influência ilícita exercida pela acusação ou pela defesa, ou de qualquer outra origem.
  6. A aplicação da lei e, se for caso disso, o poder de apreciação da oportunidade do procedimento criminal pelo Ministério Público durante a fase prévia ao julgamento, exigem que o estatuto dos procuradores seja garantido pela lei, ao mais alto nível, à semelhança do dos juízes. Os procuradores devem ser independentes e autónomos nas suas decisões e devem exercer as suas funções de forma equitativa, objectiva e imparcial.
  7. O CCJE e o CCPE reportam-se à jurisprudência constante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no que diz respeito ao artigo 5.º, n.º 3, e ao artigo 6.º da Convenção dos Direitos do Homem. Trata-se, em especial, das decisões em que o Tribunal afirmou a exigência de independência face ao executivo e às partes, para qualquer magistrado que exerça funções judiciárias, o que não exclui, no entanto, a subordinação a uma autoridade hierárquica judiciária independente. Qualquer atribuição de funções jurisdicionais aos procuradores deverá limitar-se aos casos que impliquem apenas sanções leves, não deve ser cumulativa com o poder de procedimento criminal no mesmo processo e não deve prejudicar o direito do arguido de obter uma decisão sobre

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* Tradução efectuada na Procuradoria-Geral da República por Eva Bacelar (assessora principal) e revista pelo Procurador-Geral Adjunto Leones Dantas.
(1) A presente Declaração, seguida de uma Nota Explicativa, foi conjuntamente elaborada em Bordéus (França) pelos Grupos de Trabalho do CCJE e do CCPE e oficialmente adoptada pelo CCJE e pelo CCPE em Brdo (Eslovénia) a 18 de Novembro de 2009.