Dinâmica das relações de trabalho nas situações de crise

(em torno da flexibilização das regras juslaborais) ( 1 )

João Leal Amado
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Neste artigo ensaia-se uma breve reflexão sobre a crise e o Direito do Trabalho. Trata-se, como é sabido, de um tema susceptível de aborda- gem a partir de diversos ângulos, ora sob o prisma da incidência da crise económica e de emprego sobre o ordenamento jurídico-laboral, ora na vertente de crise sistémica do próprio Direito do Trabalho. Toma-se como ponto de partida o relatório apresentado por BERNARDO XAVIER, sobre esta mesma matéria, nas IV Jornadas Luso-Hispano- -Brasileiras de Direito do Trabalho, realizadas em 1986. O diagnós- tico então feito apelava para a conveniência de se introduzir mais flexibilidade nas nossas leis laborais. Ainda que em moldes sumários, no presente texto procura-se apurar que grandes modificações se registaram, neste domínio, ao longo das duas últimas décadas. E ensaia-se uma breve reflexão sobre os rumos a trilhar pelo Direito do Trabalho, entre a flexibilidade, a precariedade e o novo desafio representado pela «flexigurança».

1. Ponto prévio: crise e Direito do Trabalho.

«Dinâmica da relação de trabalho nas situações de crise». Eis o tema sobre o qual incidirá a minha intervenção neste colóquio. Permitam-me uma nota pessoal: confesso que não pude deixar de sorrir quando tomei conhecimento do tema que me pediram para abordar, fazendo dupla com o Prof. Doutor BERNARDO XAVIER. A razão é simples, conta-se em duas palavras: eu concluí a minha licenciatura em Direito, em Coimbra, no já remoto ano de 1986; fui, quase de imediato, contratado como assistente- -estagiário pela FDUC; e uma das primeiras funções que tive foi a de prestar alguma colaboração na organização de uma importante iniciativa que iria decorrer em Coimbra, em Abril desse mesmo ano de 1986 – as IV Jornadas Luso-Hispano-Brasileiras de Direito do Trabalho. Ora, acontece que um dos principais temas a que essas jornadas se dedicaram tinha por título, justamente, «O Direito do Trabalho na Crise». E o relatório nacional sobre esse tema foi apresentado, precisamente, por BERNARDO XAVIER.

O tempo, inexorável, dita as suas leis. Quase sem nos apercebermos, decorreram já vinte e três anos sobre essas IV Jornadas… Mas a crise, essa, nunca mais nos abandonou, ora na vertente de crise económica e de emprego, ora na vertente de crise do próprio Direito do Trabalho. A crise, dir-se-ia, instalou-se, veio para ficar.

Vinte e três anos volvidos, e num colóquio dedicado ao impacto da crise nas relações de trabalho e no direito que as regula, creio que se justifica inteiramente revisitar o que então foi dito e aquilo que ficou escrito sobre o tema, em particular no relatório apresentado por BERNARDO XAVIER(2). E isto, por uma dupla razão: por um lado, porque tal nos permitirá registar, ainda que a traço grosso, a evolução do nosso direito laboral ao longo deste período; por outro lado, e num plano mais pessoal, esta é também uma forma de prestar pública homenagem a um dos grandes vultos do Direito do Trabalho pátrio – mesmo quando, como tantas vezes sucede, as nossas opiniões não coincidem totalmente.

2. A flexibilização das regras juslaborais.

Seja-me permitido começar por recordar algumas banalidades rela- tivas ao «código genético» do Direito do Trabalho. É sabido que este […]

______________________

(1) Texto que serviu de base à comunicação proferida no Colóquio Anual sobre Direito do Trabalho, organizado pelo Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa, no dia 14 de Outubro de 2009. Aproveito o ensejo para agradecer o honroso convite que me foi endereçado para participar nesse colóquio, bem como a disponibilidade revelada pela Revista do Ministério Público para publicar o texto.
(2) Publicado em Temas de Direito do Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 1990, pp. 101-138. Com especial interesse, cfr. ainda, nessa mesma obra, o relatório geral apresentado sobre o tema, da autoria de JORGE LEITE (pp. 21-49).