António Francisco de Sousa
Professor da Faculdade de Direito
da Universidade do Porto.
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O tema da entrada e busca domiciliárias pela polícia constitui uma das chamadas “actuações típicas da polícia” de maior sensibilidade e que mais controvérsia tem suscitado nos últimos anos. Está em causa sobretudo o âmbito de protecção da inviolabilidade do domicílio.
Por exigências próprias do Estado de direito, as Constituições modernas conferem ao domicílio uma especial protecção contra o poder público. No entanto, o domicílio privado também não pode ser transformado em santuário do crime e da criminalidade[1] ou em esconderijo de situações ilícitas, nem pode ser fonte de perigo relevante para bens jurídicos significativos de pessoas em concreto ou da colectividade em geral. Há, pois, necessidade de abrir excepções ao princípio da inviolabilidade do domicílio[2]. A ordem jurídica portuguesa tem-se preocupado quase exclusivamente com a busca domiciliária processual penal. No entanto, o direito policial tem uma visão mais ampla, pois aborda outras situações, de acordo com os seus fins próprios. 1. Conceitos fundamentais: domicílio, entrada e busca domiciliária A abordagem do tema da “entrada e busca domiciliárias” em Direito Policial exige que à partida se esclareça o que neste ramo do Direito se deve entender por domicílio, entrada no domicílio e busca domiciliária. 1.1. Domicílio Tal como acontece noutros sistemas[3], também a lei policial portuguesa não define expressamente o domicílio. Na falta de definição expressa na lei policial, o conteúdo do termo domicílio deve ser extraído da própria Constituição, a qual formula um conceito amplo de domicílio, que se aplica também ao direito policial[4]. Assim, em direito policial o domicílio compreende não apenas os espaços que servem às pessoas como núcleo central da sua vida privada[5], mas também os anexos e os espaços comerciais e industriais. Outros domínios que integram o domicílio jurídico-policial são salas de trabalho, escritórios, tendas[ 6], caravanas de camping, jardins, quartos de hóspedes, salas de negócios, iates e barcos em geral, pátios, quartos de hotel, oficinas, garagens, caves, lojas, quartos anexos, salas de estar, escadarias, varandas, corredores, etc.[7]. |
[1] Em 1764 o LORD CHATTAM caracterizava a inviolabilidade do domicílio em termos elucidativos: “O homem mais pobre desafia no seu domicílio as forças da Coroa; … o seu tecto pode desabar; o vento soprar entre as portas escancaradas; a tempestade pode entrar, mas o Rei de Inglaterra não”. O excessivo rigor da CRP, que surgiu certamente como reacção aos abusos da polícia do Estado Novo, não se adapta às exigências da sociedade actual. Cfr. art.º 14.º da Constituição italiana; art.º 13.º da Lei Fundamental de Bona; art.º 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Sobre o excesivo rigor do art.º 18.2 da Constituição espanhola, cfr. MARTÍN-RETORTILLO, cit., págs. 100 e segs.; L. RAMÓN, cit., págs. 478 e segs. Em geral, cfr. A, NIETO, loc. cit., págs. 7 e segs.
[[2] Em geral, sobre a entrada e busca domiciliária no direito policial, cfr. H. WAGNER, cit., p. 195 e segs.; SCHOLLER/BROβ, cit., págs. 141 e segs. A entrada no domicílio (“introdução em casa alheia”) sem o consentimento do seu titular é uma manifestação de força inerente à actividade policial. Por exemplo, se perante uma ordem de demolição de uma habitação clandestina o destinatário não só não cumpre, como se fecha nela, luserá necessário forçar a entrada para capturar a pessoa em causa e trazê-la para fora. Cfr. art.º 177.º do CPP (entrada domiciliária). [[3] É o que acontece, p. ex., no sistema espanhol. [[4] Neste sentido, também REICHERT/ RUDER, cit., n.m. 603. Sobre o conceito policial de domicílio, cfr. SCHOLLER/SCHLOER, cit., p. 137. [[5] No direito civil vigora um conceito bem mais restrito de domicílio. CASTRO MENDES escreveu acerca do domicílio: «A ideia geral de domicílio corresponde à do sítio onde a pessoa mora. Em regra, a pessoa tem um sítio ou local onde estabeleceu o centro da sua vida, e com o qual está em ligação: esse é o seu domicílio». Nos termos do art.º 82.º, n.º 1 do Código Civil, «a pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente em diversos |