Page 123 - Revista do Ministério Público Nº 156
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A “presunção jurídica de residência alternada” e a tutela do superior interesse da criança Ricardo Jorge Bragança de Matos
1. A evolução legislativa
A evolução legislativa que culminou na atual redação da norma em questão, introduzida pela Lei n.o 61/2008, de 31-10[3], é um fator que conduz àquela conclusão.
A primeira alteração imediatamente percetível operou-se ao nível da nomenclatura legal: o que dantes era denominado por poder paternal passou, na nova redação, a ser designado por res- ponsabilidades parentais.
A singeleza desta alteração, aparentemente de pouco relevo na atividade hermenêutica que se impõe ao aplicador do Direito, surge plena de significado.
Na verdade, a substituição da palavra “poder” pela expressão “responsabilidades” contém em si todo o programa de centraliza- ção do regime em análise na pessoa da criança. A formulação legal deixa de sugerir a sujeição da criança a um poder(-dever), de cujo exercício seria um mero objeto, passando a encará-la como verda- deiro sujeito de direitos, cujo exercício, visando o seu perene, inte- gral e sereno desenvolvimento, se assume como uma incumbência dos pais, surgindo, pois, de forma inequívoca, funcionalmente vin- culada à pessoa daquela.
Noutra perspetiva, a referência a responsabilidades parentais, por oposição a poder paternal, reflete, nesta sede, a paridade com que cada um dos progenitores é encarado pela lei, nivelando-se ao nível da linguagem a função de cada um deles num plano de igualdade[4].
[3] A Lei n.o 61/2008, de 31-10, veio alterar o regime jurídico do divórcio e introduziu uma reformulação do regime jurídico do exercício das res- ponsabilidades parentais.
[4] No sentido referenciado no texto, cf. Projeto de Lei n.o 509/X – Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio (dispo-
nível em https://www.parlamento. pt/ActividadeParlamentar/Paginas/ DetalheIniciativa.aspx?BID=33847), que esteve na origem da Lei n.o 61/2008, de 31-10. Esta alteração inscreve-se no percurso evolutivo da letra da lei iniciado com a reforma introduzida no ordenamento jurídico da família em 1977, no sentido de ins-
titucionalização da «faceta funcional do chamado “poder paternal”, tendo passado de poder (direito) a função (dever) e de poder exclusivo do pai a autoridade conjunta do pai e da mãe» (assim, Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família – Uma questão de direitos, 2.a ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p. 185).























































































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