Page 143 - Revista do Ministério Público Nº 156
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A “presunção jurídica de residência alternada” e a tutela do superior interesse da criança Ricardo Jorge Bragança de Matos
efetivamente demonstrada por cada um deles para manter a criança junto de si, a idade da criança e a sua opinião ou as relações de afe- tividade entretanto por esta criadas[45].
Num quadro legal, doutrinário e jurisprudencial em que a ten- dência visível é a de admissão, de forma ampla, da solução da resi- dência alternada no contexto de regulação das responsabilidades parentais, a tutela do interesse da criança não beneficia de vanta- gem com a solução preconizada na petição.
Na verdade, a consagração legal de abstrações herméticas, imunes à multiplicidade de situações de facto e a fatores por estas aportadas, apresenta-se, assim, contrária ao interesse da concreta criança que se visa tutelar.
A densidade regulatória apresentada e, bem assim, algumas das soluções preconizadas colocam em crise, além disso, o primado do consenso em matéria de família, da infância e da juventude que é, deste modo, colocado em segundo plano.
Com efeito, a formulação normativa propugnada, pelos parâ- metros materiais apertados em que admite a consensualização e pela solução subsidiária que preconiza, não deixa espaço para uma verdadeira expressão autónoma e consensual da vontade dos pro- genitores fora dos quadros rígidos que apresenta. Neste sentido, a regulação nos termos propostos configura, porque desprendida de fundamentação material bastante, uma injustificada compres- são da autonomia familiar, enquanto sede para expressão da sua insubstituível ação em relação aos filhos[46].
[45] Os enunciados fatores foram coli- gidos por Helena Bolieiro, ob. cit., pp. 235 e 262.
[46] A autonomia familiar, enquanto vetor a tomar em consideração nesta matéria, é sublinhada no acórdão do TRL de 28-06-2012, já citado, onde
se afirma que “as relações familiares são definidas e desenrolam-se por excelência no seio da própria família e não cabe ao Estado interferir a todo o custo nas relações privadas que os cidadãos adoptem e estabeleçam entre si, convictos de que são as melhores e as mais adequadas para os seus filhos,
no quadro de vivência pessoal e social que possuem e querem manter. Não deve, por isso, o Estado sobrepor-se à sua vontade. Muito menos quando não está em causa a violação de nenhuma norma jurídica ou a defesa da ordem pública”.