Page 144 - Revista do Ministério Público Nº 156
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Revista do Ministério Público 156 : Outubro : Dezembro 2018
[47] “A alteração do paradigma (...) pressupõe que [a criança] deva (...) ser informada dos específicos contor- nos da situação em discussão, bem como das consequências que ocorrerão em função das hipóteses de solução configuráveis no caso em apreciação, sendo chamada a emitir a sua opinião,
da forma o mais livre e esclarecida possível. O direito de audição e parti- cipação surge, nesse sentido, como um instrumento de concretização do prin- cípio do superior interesse da criança, na consideração de que, na decisão a proferir, o tribunal deve estar munido da informação relevante disponível a
qual compreende a visão que a própria criança, beneficiária da decisão, tem sobre o assunto em apreciação, sempre tendo presente que o seu superior inte- resse deverá, acima de todos os demais, ser prosseguido” (Lucília Gago, ob. cit., p. 126)
À mesma conclusão se chega se submetida a proposta ao teste da sua compatibilidade com o princípio da audição e participação da criança [cf. artigo 4.o, n.o 1, alínea c), do RGPTC], segundo o qual a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito.
O teor normativo propugnado desvaloriza em absoluto a opinião da criança, contrariando a evolução verificada nesta matéria que, em conformidade com a Convenção sobre os Direitos da Criança, erigiu este princípio a verdadeiro corolário da dignificação da criança no pro- cesso de regulação das responsabilidades parentais, e, em consequên- cia, contrariando o interesse da criança que afinal visava prosseguir[47].
Acrescente-se que a formulação legal propugnada é passível de colocar em crise a operacionalidade concreta dos princípios da proporcionalidade e atualidade a que se mostra vinculada a inter- venção de natureza tutelar cível [cf. artigo 4.o, alínea e), da Lei de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aplicável ex vi artigo 4.o, n.o 1, do RGPTC]. Com efeito, a solução visada não só limita drasticamente a margem para que a intervenção a encetar, no que à fixação da residência da criança respeita, se adeque concreta- mente à situação daquela, como se reveste de condições abstratas para que seja ultrapassada a barreira da interferência admissível na vida da criança e da sua família.
Finalmente, a proposta apresentada, pela sua estanquicidade, contradiz frontalmente a natureza processual dos procedimentos no âmbito dos quais a matéria é sujeita a discussão.


























































































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