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Revista do Ministério Público 156 : Outubro : Dezembro 2018
[19] Debruçamo-nos sobre esta ques- tão em maior detalhe em António Manuel Abrantes, “Limites consti- tucionais à (excessiva) antecipação da tutela penal nos crimes de terrorismo
- Anotação às decisões n.os 2016-611 QPC e 2017-625 QPC do Conselho Constitucional francês”, Revista Portu- guesa de Ciência Criminal, n.o 28, Maio- -Agosto 2017, p. 414-463.
De uma forma sucinta[19], parece-nos possível colocar o pro- blema nos seguintes termos: as especificidades colocadas pela ameaça terrorista têm deixado cada vez mais claras as limitações do direito penal para intervir de forma legítima e eficaz no seu combate, as quais decorrem, em primeira linha, da própria natu- reza deste ramo do direito e do facto de não se encontrar parti- cularmente vocacionado para a prevenção de crimes. Com efeito, como é sabido, o direito penal tem uma natureza essencialmente reativa e não uma natureza preventiva; e daí operar dentro de um processo penal que só se inicia após ser recebida a notícia de um crime e não antes de um crime ocorrer. Contudo, como também é evidente, não se pode logicamente evitar a comissão de atentados terroristas esperando que os mesmos sejam cometidos e só rea- gindo a título póstumo por via da punição dos seus autores (o que, em grande parte dos casos, nem chega a ser exequível, pois os auto- res materiais morrem durante a execução dos ataques e não chega a haver ninguém, sequer, para punir). Consequentemente, o grande desafio que tem sido colocado aos Estados tem sido precisamente este: como fazer um combate preventivo a um crime antes de ele ocorrer, no quadro de Estados de Direito democráticos dotados de sistemas penais que assentam no facto e não no agente?
Uma primeira abordagem tem residido em procurar comba- ter a ameaça terrorista ainda dentro dos parâmetros do direito e do processo penal. Tal tem sido feito por via da proliferação da criação de crimes de perigo abstrato e da criminalização de um número cada vez mais alargado de atos preparatórios e instrumentais que antecedem em muito os crimes que os atentados terroristas