Page 178 - Revista do Ministério Público Nº 156
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O acesso a dados de tráfego pelos Serviços de Informações à luz do direito fundamental à inviolabilidade das comunicações António Manuel Abrantes
Assim, passou a ser claro que estas medidas de natureza execu- tiva altamente restritivas de direitos fundamentais (sendo a mais gravosa a aplicação da medida de congelamento de bens, que implica uma restrição profunda ao direito de propriedade) são suscetíveis de ser aplicadas a pessoas e entidades que podem não estar, sequer, a ser formalmente investigadas no âmbito de um processo penal em curso.
Como escrevemos num outro lugar[26], a aplicação de medi- das restritivas com esta magnitude a meros potenciais suspeitos de envolvimento em atividades terroristas revela com clareza a progressiva separação que tem vindo a ser feita entre a abordagem jurídico-penal no combate ao terrorismo (por via da investigação, no contexto de um processo penal garantístico conduzido por auto- ridades judiciárias, do eventual envolvimento de uma pessoa em atividades terroristas) e a abordagem de natureza não-penal de com- bate à mesma realidade (por via da aplicação executiva de medidas preventivas, à margem do processo penal, que restringem de forma significativa os direitos fundamentais de meros potenciais suspei- tos de envolvimento em atividades terroristas). Cada vez mais, o combate ao terrorismo parece fazer-se neste segundo plano, con- duzindo a uma fuga do direito penal e das garantias próprias do processo penal para privilegiar medidas mais eficazes mas menos garantísticas, aproximando-se da conceção de Jakobs de um direito penal do inimigo (ou, mais propriamente neste caso, de um ‘direito não-penal do inimigo’).
em terrorismo independentemente da existência de um processo penal em curso sobre essa pessoa. Sobre o assunto, com maior detalhe, cfr. Antó- nio Manuel Abrantes, “Anatomia de um Crime: o Financiamento do Terrorismo no Ordenamento Jurídico-
-Penal Português”, Revista Anatomia do Crime, n.o 5, janeiro-junho 2017, Alme- dina, p. 99-105.
[26] Cfr. António Manuel Abran- tes, “Anatomia de um crime” (...), ob. cit., p. 105.




























































































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