Page 18 - Revista do Ministério Público Nº 156
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Ressocializar, hoje? Entre o «mito» e a realidade André Lamas Leite
membros a empenharem-se em comportamentos «societariamente responsáveis»[40]. E isto, note-se, sem qualquer garantia de que a sim- ples inscrição de uma norma deste tipo afectasse o comportamento dos cidadãos. É a efectividade da norma que deve ser garantida, sob pena de descrença no texto em que ela se inclui. Na verdade, só pré-existindo uma motivação para a solidariedade é expectável que a sua positivação seja eficaz[41]. Na súmula do autor: «[u]ma Cons- tituição nada mais seria que um pedaço de papel se não existissem previamente cidadãos suficientes que desejam agir em solidariedade em favor das instituições básicas do seu regime.»[42].
O actual momento é de transição e de impasse[43]. Se, por um lado, a maioria das legislações da Europa ocidental mantém a res- socialização nos respectivos Códigos Penais ou no entendimento maioritário da doutrina e jurisprudência como uma meta de todo o sistema penal (como um dos fins das reacções criminais), também é um dado evidente que se assiste a um divórcio cada vez maior entre a law in the books e a law in action. As mutações políticas que vivemos, os fenómenos de populismo criminal e a escassez econó- mica são tudo menos factores favoráveis à ressocialização.
Do outro lado do Atlântico, e mesmo na Europa de matriz do common law, com o punitive turn, existe quase uma admissão directa do abandono do objectivo ressocializador[44]. Estudos cri- minológicos levados a cabo na Alemanha, porém, apontam no
[40] Ibidem, p. 260.
[41] Ibidem, p. 263.
[42] Ibidem, p. 264.
[43] Há quem o considere, todavia,
«de reafirmação da vontade de reabi- litar e supervisionar os condenados na comunidade» (Ester Blay/Elena Larrauri, «La supervisión de los
delincuentes en libertad», in: Elena Larrauri/Ester Blay (eds.), Penas comunitarias en Europa, Madrid: Edi- torial Trotta, 2011, p. 11).
[44] Entre tantos, Claus Roxin, «Problemas actuales de política cri- minal», in: Enrique Díaz Aranda (ed.), Problemas fundamentales de Polí- tica Criminal y Derecho Penal, reimp., México: Universidad Nacional Autó-
noma de México, pp. 87-88. Para um conspecto do problema do populismo no nosso ramo de Direito, salientando a sua existência na Europa continental, ilustrando com o exemplo francês de 2004, a qual importa, até certos limi- tes, o guilty plea, através da comparution sur reconnaissance préalable de culpa- bilité, do artigo 495-7 do CPP gaulês, António de Araújo, «O populismo penal: algumas notas», in: Augusto






















































































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