Page 186 - Revista do Ministério Público Nº 156
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O acesso a dados de tráfego pelos Serviços de Informações à luz do direito fundamental à inviolabilidade das comunicações António Manuel Abrantes
um crime concreto ser cometido. Ora, tendo em conta que a ver- são atual do n.o 4 do artigo 34.o da Constituição não reflete ainda expressamente essa necessidade, parece-nos que a melhor solução seria a de proceder a uma revisão constitucional destinada a atua- lizar o alcance da autorização constitucional de restrição ao direito fundamental à inviolabilidade das comunicações prevista nesta norma. Efetivamente, no momento em que o legislador constitu- cional introduziu no texto constitucional esta solução, o mesmo não terá provavelmente equacionado que poderia existir um dia uma necessidade tão intensa de combater determinadas ameaças logo num plano preventivo, com recurso a medidas restritivas que, tradicionalmente, apenas seriam de admitir no âmbito de um pro- cesso penal em curso. Se hoje essa necessidade existe, então o cami- nho mais natural a seguir seria o de atualizar o texto da norma constitucional, de forma a aproximá-lo das soluções mais permis- sivas previstas nas Constituições da generalidade dos Estados- -Membros da UE.
Durante o procedimento legislativo que conduziu à aprovação da Lei Orgânica n.o 4/2017, um dos principais argumentos invoca- dos para afastar a solução de revisão constitucional era o de que esta seria uma solução exagerada, pois o problema poderia ser facilmente ultrapassado com uma interpretação atualista e adequada do n.o 4 do artigo 34.o da Constituição, que tivesse em conta a intensidade da ameaça que a medida de acesso aos dados visa prevenir e os valo- res fundamentais que pretende preservar. Não poderíamos estar mais em desacordo, pois consideramos que é precisamente pelo facto de esta ser uma medida de exceção que deveria estar recor- tada de forma precisa na Constituição e, particularmente, deveria encontrar a sua fonte de legitimação numa norma constitucional de forma expressa e inequívoca. Efetivamente, embora não nos pareça impossível, como procuraremos demonstrar no ponto que se segue, interpretar o teor literal do n.o 4 do artigo 34.o da Constituição































































































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