Page 188 - Revista do Ministério Público Nº 156
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O acesso a dados de tráfego pelos Serviços de Informações à luz do direito fundamental à inviolabilidade das comunicações António Manuel Abrantes
especial, aplicável a apenas duas categorias de crimes em particular: os crimes de terrorismo e a espionagem. Não é preciso ir muito longe para refutar este argumento: basta lembrar que a própria norma constitucional que antecede a norma que aqui nos ocupa foi precisamente alterada através da Revisão Constitucional de 2001, para passar a permitir excecionalmente a entrada durante a noite no domicílio de uma pessoa sem o seu consentimento, na sequência de uma autorização judicial que só pode ser concedida “nos casos de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo o terrorismo e o tráfico de pessoas, de armas e de estupefacientes”. Há ainda mais dois casos claros em que a Constituição estabelece expressamente um regime excecional rela- tivo a crimes com uma especial gravidade, onde se incluem os cri- mes de terrorismo: basta recordar que o n.o 3 do artigo 33.o permite excecionalmente a extradição de nacionais portugueses “nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada”, e que o n.o 1 do artigo 207.o exceciona do âmbito da intervenção do tribu- nal de júri os crimes“de terrorismo e os de criminalidade altamente organizada”. Assim, a introdução de uma nova exceção no n.o 4 do artigo 34.o da Constituição, limitada à produção de informações no âmbito da prevenção dos crimes de terrorismo e de espionagem, não teria nada de estranho e não seria, sequer, uma originalidade.
4. A solução possível – a legitimação do acesso
a dados de tráfego partindo de uma interpretação ampla do conceito de “processo penal”
Não foi este, porém, o caminho seguido pela Assembleia da Repú- blica, tendo a maioria dos deputados optado por introduzir dire- tamente esta solução na Lei Orgânica n.o 4/2017, sem dar início a um procedimento de revisão constitucional destinado a modificar o teor do n.o 4 do artigo 34.o da Constituição. Por conseguinte, a grande questão de fundo que a Lei Orgânica n.o 4/2017 coloca re-