Page 198 - Revista do Ministério Público Nº 156
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O acesso a dados de tráfego pelos Serviços de Informações à luz do direito fundamental à inviolabilidade das comunicações António Manuel Abrantes
análogas[46] às que existem neste tipo de processo. Embora esta não seja a solução que nos pareça preferível, pois não se substitui à clarificação que só poderia ser obtida através de uma revisão constitucional, é uma solução que se afigura, ainda assim, possível, para legitimar constitucionalmente a adoção de uma medida que se afigura essencial para a preservação de valores fundamentais constitucionalmente tutelados.
5. Conclusão
Como fomos reiteradamente sublinhando ao longo do presente artigo, os problemas suscitados a propósito do regime de acesso a dados de tráfego por parte dos Serviços de Informações inse- rem-se dentro de um outro debate significativamente mais amplo, que se prende com a possibilidade de aplicação, fora do âmbito do processo penal, de medidas profundamente restritivas de direitos fundamentais com o intuito de prevenir a comissão de crimes com uma especial gravidade, entre os quais se contam os crimes de ter- rorismo e de espionagem. Assim, entendemos que, qualquer que seja a posição seguida relativamente a este problema concreto, o mesmo deve necessariamente ser debatido sem se perder de vista esta grande questão de fundo, que se traduz fundamentalmente em saber até que ponto as Constituições dos Estados se encontram preparadas para permitir a adoção de medidas restritivas excecio-
[46] Contra o exposto, não nos parece que possa ser invocado o princípio da proibição da analogia de normas exce- cionais. Desde logo, como defendemos supra, discordamos que a previsão de uma autorização constitucional de restrição a um direito fundamental seja sequer uma exceção a uma regra. Mesmo que assim fosse, importa notar que a solução da impossibilidade abso- luta de analogia de normas excecionais é há muito relativizada por várias
vozes na doutrina. Como exemplo, podemos apontar o entendimento de João Baptista Machado, o qual escrevia precisamente o seguinte ainda em 1982: “Segundo um brocardo tradi- cional, as normas excepcionais seriam inaplicáveis analogicamente. Esta for- mulação concebida assim em termos tão genéricos deve considerar-se hoje ultrapassada. (...) só um imperativo de segurança poderá justificar a inaplica- bilidade analógica de uma norma. Isto,
é claro, se não se trata de um verdadeiro “ius singulare”, de decisão tomada para uma situação única e irrepetível. Sem- pre que a norma excepcional, porém, tem na sua base um princípio que, pelo seu próprio sentido, pode ser transposto para casos não expressamente regula- dos, só a exigência de segurança se pode opor à aplicação analógica” (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra: Almedina, 1982, p. 327; itáli- cos nossos).



























































































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