Page 254 - Revista do Ministério Público Nº 156
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Brevíssima anotação ao Acórdão n.o 2/2015 do Supremo Tribunal de Justiça José M. Damião da Cunha
Isto é, mesmo para quem considerar que as condições objetivas de punibilidade (aquelas que façam parte do tipo) são “exteriores ao tipo legal de crime”, então elas, na medida em que determinam a punibilidade do comportamento, determinam a própria existên- cia do facto. Logo: se não decorrer o prazo de 90 dias não há facto (punível, porque não há nenhum tipo legal).
Só quando se preenchem integralmente os pressupostos da tipicidade, incluindo necessariamente a condição objetiva de puni- bilidade que concretiza o momento de consumação, é que se pode discutir se há um “tipo de ilícito” (em sentido restrito) – o qual, no caso, assenta na censura feita ao agente por não ter feito entrega durante prazo determinado.
ff) Ao esquecer estes aspetos, o Acórdão perfilha a solução “estra- nha”[14] de a (assim designada) “consumação formal e material” se verificar sem consumação nenhuma, porque que se imputa ao Esta- do (MP) o dever de proceder criminalmente, em violação do prin- cípio da legalidade, no seu sentido material (não há manifestamente
[13] Conclusão que é retirada por Figueiredo Dias, Consequências Jurí- dicas do Crime, Lisboa: Editorial Notí- cias, 1991, § 1137, quando refere que a aplicação do disposto no artigo 119.o, n.o 4, do CP a estas condições assume plena justificação;“casos em que a produ- ção de resultado releva ainda, se bem que não ao nível de tipo de crime, nomeada- mente como pressuposto da punibilidade” (exs.: os já referidos várias vezes). Do mesmo modo, Pinto de Albuquer- que discorda do presente Acórdão por não ter aplicado esta norma (cf. comen- tário n.o 10 ao artigo 119.o - Comentário do Código Penal, Lisboa: Universidade Católica Editora, 3.a Ed., 2015). Simplesmente, é preciso ver que não está em causa nenhum resultado não
compreendido no tipo, pois o tipo depende necessariamente da produção deste resultado para ter efetividade. Isto é, o pressuposto de aplicação desta norma sobre prescrição é que o resultado surja como que um plus em relação a um tipo já consumado (tipo que seria uma espécie de antecipação da tutela; seria o caso de um crime tipicamente formal mas substancial- mente material). Ora, nestes casos, o resultado não é plus nenhum; é a con- dição para haver tipo legal de crime; logo, não há nenhum tipo de tutela penal antecipada.
Poderia, de resto, ser duvidoso que o não cumprimento do prazo ou a decla- ração judicial de insolvência possam ser considerados um “resultado”.
Para nós, todavia, a resposta é a seguinte: não é o artigo 119.o, n.o 4, do CP o normativo adequado para abranger este caso; o normativo ade- quado encontra-se no artigo 119.o, n.o 1 – o prazo corre desde o dia em que se verifica a consumação do facto (ou seja, com a verificação da “condição”).
[14] Particularmente salientada pelos diversos votos de vencido.
Do mesmo modo, Inês Magalhães, RPCC, 2015, p. 662 e ss., salienta este aspeto e sobretudo a necessidade de, mesmo do ponto de vista de uma análise da categoria da punibilidade, a consumação se verificar com o preen- chimento de todos os pressupostos da responsabilidade criminal.
























































































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