Page 38 - Revista do Ministério Público Nº 156
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Ressocializar, hoje? Entre o «mito» e a realidade André Lamas Leite
capitalista e cosmopolita, com diversas tábuas de valores, não se podendo confundi-la com o «indiferentismo», uma vez que uma coisa é aceitar a «unidade na multiplicidade», outra é impô-la aos cidadãos ou decretá-la como Lei. Uma sociedade verdadeiramente tolerante é aquela — acrescentamos agora nós — em que o quadro de valores vertido na Constituição é para ser respeitado, em muito excepcionais condições admitindo que factores culturais, étnicos ou de outro tipo possam importar a justificação ou a desculpa de comportamentos que o violem. Isto sob pena de o Direito Penal deixar de ser norma orientadora e de, a coberto de uma discursivi- dade politicamente correcta, se assistir àquilo que, em outro con- texto, Teresa Pizarro Beleza apelidou de «enfraquecimento ósseo» do nosso ramo de Direito. Mais: esta forma de «tolerância», se a quisermos designar assim, encontra sempre limites internos e externos ao modo como o Estado (de Direito) se estrutura e orga- niza. Um desses limites intrínsecos contende com as bases do texto constitucional, de tal modo que a dignidade da pessoa ou os direi- tos fundamentais não podem ser violados como étimo de um tipo justificador ou causa de exclusão da culpa.
Assim se cumpre a protecção de bens jurídicos, ainda que tal seja necessário realizar de modo muito próximo no tempo em rela- ção a esse indivíduo. Quanto à reinserção do agente na comuni- dade, o dever do Estado cessa ao colocar ao seu dispor os meios para que ele, querendo, o faça. Se o não fizer, não falhou a tarefa estatal, porquanto consideramos que ela não pode ser levada tão longe. Seria farisaico aceitar-se a inexistência de uma metanoia do condenado e, depois, afirmar-se o falhanço da ressocialização quando o condenado a não pretende. Nos quadros de um Direito Penal liberal, cessa a intervenção à porta da vontade do agente que não ponha em causa a protecção da sociedade, i. e., se a prisão tiver somente um fim de contenção e de eventual reforço das expectati- vas comunitárias por via da protecção de bens jurídicos, não sendo































































































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