Page 44 - Revista do Ministério Público Nº 156
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Ressocializar, hoje? Entre o «mito» e a realidade André Lamas Leite
3. Não parece ser outro, entre nós, também, o pensamento fun- damental da doutrina. Já Eduardo Correia[110] definira a resso- cialização conforme a um Estado de Direito democrático e social como o processo que visa «criar no delinquente um puro senti- mento de responsabilidade social, fornecendo-se-lhe, através dos Serviços Sociais de Justiça, elementos para uma aprendizagem vi- sando a que não pratique crimes no futuro.», acrescentando «que se não deve partir de um agente atomizado e abstracto[,] mas de um agente integrado na situação concreta e no modo de estar no mundo de onde arrancou para o crime.».
Um outro apport cada vez mais importante consiste na neces- sidade de encarar a ressocialização também do prisma da vítima[111], ou seja, não somente como um direito do condenado, mas como uma expectativa de quem sofre um crime, o que apresenta ligação com o problema da restauração e da justiça restaurativa e da cha- mada «vitimodogmática».
4. O que se pode e deve questionar é saber se, em face de dados que, em geral, são relativamente desanimadores, de iure condendo, a ressocialização deveria ou não ser retirada do elenco dos desidera- tos sancionatórios. Como de la Cuesta Arzamendi[112] colocou já em relevo, abandonar esse objectivo, ainda que ele permaneça um ideal amiúde impossível de realizar, implicaria abandonar uma perspectiva mais humana e humanizadora da pena e, a prazo, conduziria a realidades já conhecidas de países do punitive turn,
[110] Eduardo Correia, «Ainda sobre o problema da “ideologia do tratamento”...», p. 13. Pela sua plasti- cidade, ainda hoje se mantêm actuais as palavras de Manuel de Castro Ribeiro, «A reinserção social de delin- quentes», p. 67: «[o] homem não nasce para o crime, e se nele caiu, importa mais criar-lhe condições para o não
repetir do que puni-lo; esta é a filoso- fia subjacente à nova Lei, que interessa compreender em toda a sua amplitude humana.».
[111] Winfried Hassemer, «¿Por qué y con qué fin se aplican las penas? (Sentido y fin de la sanción penal)», in: RDPC, 3 (1999), pp. 322-323.
[112] «La prisión: historia, crisis, pers- pectivas de futuro», in: Antonio Beristain Ipiña (ed.), Reformas penales en el mundo de hoy, Madrid: Instituto Vasco de Criminología, 1984, p. 145.


























































































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