Page 46 - Revista do Ministério Público Nº 156
P. 46

  [ 51 ]
Ressocializar, hoje? Entre o «mito» e a realidade André Lamas Leite
«a ressocialização deve estar equidistante da adaptação do indiví- duo e da reforma da sociedade.». Por outras palavras, ela tem uma função de «apelo», de «motivação» do agente do crime à interiori- zação externo-objectiva que o ordenamento jurídico lhe exige, ape- nas e tão-só para que as suas finalidades possam ser alcançadas[116].
É equacionável, ao menos em tese, para além das refutáveis críticas de uma qualquer metanoia do agente, que a ressocializa- ção como fim da pena acabe por conduzir a uma espécie de net- -widening, porquanto se trataria de acrescer uma outra finalidade que, para ser alcançada, demandaria uma maior intervenção cri- minal. Cremos, todavia, que, uma vez mais, a crítica não procede. Desde logo, não se pode eleger os fins das penas tendo somente em conta uma maior ou menor intervenção societária do nosso ramo de Direito, mas aqueles que são os desideratos que, para a manutenção do corpo social, se julgam mais apropriados. Esse deve ser o critério de legitimação e não outro. Por outro lado, nada nos autoriza a dizer que a circunstância de se afastar a ressocialização de entre os fins que as reacções criminais devem cumprir e refor- çar a vertente geral-preventiva ou a retributiva, p. ex., conduzirão, necessariamente, a uma menor intervenção do Direito Penal na vida social. Pode até acontecer o contrário: dependendo do grau de interiorização da concreta norma, é possível que se revele de mais largo espectro a intervenção do Direito Criminal nas hipóteses em que, v. g., num dado momento histórico, devido a exigências acres- cidas de prevenção geral, as penas e medidas de segurança devam ser aplicadas mais amiúde ou com uma duração mais larga. Donde, numa palavra, inexiste relação directa e imediata entre a eleição
(itálico acrescentado). Nada que nos deva surpreender, atenta a verdadeira «corruptela» em que já se transformou o conceito inicialmente criado por Thomas Kuhn. E em outras latitu- des, em idêntico sentido, v. g., André
Kuhn, «É possível uma sociedade sem sanções penais?», in: Ousar Integrar, 4 (2009), pp. 67-68, assinalando com correcção a finalidade utilitária da res- socialização e a circunstância de ela não poder ser o único fim sancionatório.
[116] Em sentido que temos por próximo, Klaus Lüderssen, Il declino..., p. 13. O autor vai também, com razão, apon- tando que esta função tem muito que ver com a progressiva secularização do nosso ramo de Direito (ibidem, pp. 13-14).




























































































   44   45   46   47   48