Page 6 - Revista do Ministério Público Nº 156
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Ressocializar, hoje? Entre o «mito» e a realidade André Lamas Leite
dos fins das penas. De entre outras, as causas passaram por um aumento da taxa de criminalidade, assim se demonstrando a inefi- cácia de um «tratamento prisional»[6] na reincidência, a que acres- ceu uma concepção em matéria de fins das penas mais voltada para uma punição mais severa[7]. Adensando o diagnóstico, Eser[8] dis- tingue entre as razões externas e internas. No primeiro núcleo enfi- leira a consideração de que não é só o condenado que necessita de ressocializar-se, mas também a sociedade, vista pelos movimentos do labeling approach e da Criminologia radical como criminógena; no segundo, ela tornou-se cada vez mais «juridificada» e perdeu o seu inicial fundamento ético-social.
[6] O termo tem-se prestado a múl- tiplos conteúdos ao longo da Histó- ria. Por certo estamos longe de um «modelo médico de tratamento» ou mesmo de uma transformação do criminoso, do seu próprio «estado de espírito», como era vulgar ainda defender-se na década de Oitenta do passado século (ad exemplum, Jac- ques Vérin, «Partisans et adversai- res du traitement de résocialisation», in: Cahiers de Défense Sociale (1980), p. 24). Entre nós, o termo tem mesmo consagração legislativa. Assim, v. g., cf. a Portaria n.o 286/2013, de 9/9 (arti- gos 2.o, n.o 2, alínea c), e 13.o). A área do «tratamento prisional», nos ter- mos do último inciso, contende com a «programação, ensino e formação profissional, trabalho e ocupação labo- ral, iniciativas de caráter sociocultural e desportivas, entre outras». Em Espa- nha, o artigo 59.o, n.o 1, da Ley Orgánica 1/1979 define-o como «o conjunto de actividades dirigidas à consecução da reeducação e reinserção social dos condenados», acrescentando-se no n.o 2 que «pretende fazer do condenado uma pessoa com a intenção e a capa- cidade de viver no respeito pela lei
penal, assim como de prover às suas necessidades».
[7] Não obstante, p. ex. Eugenio Raúl Zaffaroni, Tratado de Derecho Penal. Parte General, t. I, Buenos Aires: EDIAR, 1998, pp. 70-72, continua a considerar que a prevenção especial de ressocialização é o único fim das penas admissível num Estado de Direito democrático e social, sem prejuízo de, por meio dela, como efeito secundário, também se atingir um efeito geral- -preventivo. Relacionando a execução das penas privativas de liberdade com esse desiderato e a segurança, cf., entre tantos, Hilde Kaufmann (Principios para la reforma de la ejecución penal, Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1977, p. 55): «enquanto a execução penal humanizada é um apoio da ordem e segurança estatais, uma execu- ção penal desumanizada atenta preci- samente contra a segurança estatal».
[8] «Resozialisierung in der Krise? Gedanken zum Sozialisationsziel des Strafvollzugs», in: Jürgen Baumann (Hrsg.), Einheit und Vielfalt des Stra- frechts. FS für Karl Peters zum 70.
Geburtstag, Tübingen: Mohr, 1974, p. 506. O autor lembra o pensamento de Durkheim, de entre outros, para concluir que não é novidade esta crise da ressocialização, bem como sublinha a necessidade de se não apontarem elementos monofactoriais na sua expli- cação, já em meados de 1970 referindo que se não deve falar em «causas do crime», por via de um sabor mera- mente causalista da expressão, mas de «constelações criminologicamente resis- tentes» («kriminoresistenten Konstella- tionen») — ibidem, p. 507. Em reforço, cumpre lembrar a analogia efectuada por Zygmunt Bauman a propósito dos criminosos. A quebra dos laços sociais faz com que o grande medo da (pós-)modernidade seja o de «ficar para trás», o que é particularmente visí- vel nos desempregados, mas também nos delinquentes, passando estes a ser «olhados como marginalizados perpé- tuos, incapazes de regeneração e obri- gados a observarem pelos séculos dos séculos regras de boa conduta, longe da sociedade e das pessoas decentes» (Confiança e medo na cidade, Lisboa: Relógio d’Água, 2006, p. 21).



























































































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