Page 46 - Revista do Ministério Público Nº 82
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Revista: No 82 - 2o trimestre de 2000
Autor: António Nunes
(Investigador / Mestre em História pela Universidade do Minho)
Capítulo: Estudos
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Título: Pistas para uma análise da arquitectura judiciária portuguesa
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Pistas para uma análise da arquitectura judiciária portuguesa
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Nesta comunicação, de carácter eminentemente ensaístico, questiona-se da possibilidade da existência de Çõ
uma Arquitectura de Justiça em Portugal. Situando o problema no quadro da longa duração, o autor propõe Ãí
seis perodos cronológicos passíveis de abordagem, procedendo depois à sua caracterização.
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A. INTRODUO
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A emergncia da "Histria da Arte Portuguesa" na centúria de oitocentos, e a sua lenta consagração como
discurso cientfico autnomo, postulou um objecto académico-erudito estreitamente balizado entre o ó
aceitvel e o rejeitvel. O incessante alargamento do campo analítico da "História da Arte" e da "História da àç
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Arquitectura" nunca abandonou a pesada marca discursiva das origens, onde o peso do "monumento", do ãç
castelo, da igreja, do mosteiro, dificilmente poderiam aceitar um olhar mais alargado e abrangente sobre çç
Cadeias, Tribunais, Paos dos Concelhos, Misericórdias, Hospitais, etc.
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Contrariamente ao que se possa pensar, a "indignidade" dos Tribunais e Cadeias como possível, apetecível óé
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e rico objecto de estudo, no se confina ao caso português. Em 1992, os dinâmicos membros da á
Associao Francesa Para a Histria da Justiça denunciavam abertamente os silêncios da historiografia çãçãç
gaulesa, contra-atacando com um trabalho colectivo de grande envergadura, cujas sugestões possibilitam ã
estimulantes hipteses de trabalho e reflexão ( La Justice en ses Temples : 1992).
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Seria de esperar que a ofensiva de modernização do aparelho judicial português, tal como foi concebido e íçõ
reclamado a partir da Revoluo de 1820, tivesse possibilitado um conjunto de estudos, relatórios, í
monografias e at brochuras de teor panfletário. Nada disso aconteceu e, paradoxalmente, a
superabundncia de debates sobre as vicissitudes da Arquitectura Prisional não possibilitou qualquer áú
estudo digno de nota sobre a Arquitectura Judiciária. Com efeito, é no mínimo estranho que os juristas ç
coimbros, especialistas em "organizao judiciria", como Afonso Costa, José Alberto dos Reis, Manuel éç
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Chaves e Castro, Soveral Martins, no tenham manifestado o menor interesse pela estreita correlação ê
entre instituies judicirias e Arquitectura de Justia.
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O ano de 1993 constitui uma data charneira na irrupão deste género de estudos, graças ao trabalho àç
pioneiro da historiadora Maria Jos Moutinho Santos, a propósito do desactivado polivalente da Cadeia e õó
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Tribunal da Relao do Porto , de que voltarei a falar. ú
Este cenrio tardio e de certa forma desolador no entanto mitigado pela inventariação de algumas çéç
publicaes raras e pouco conhecidas. Citem-se, da autoria do Presidente da Relação de Goa, José ãã
Abranches Garcia, o Arquivo da Relao de Goa , dado estampa em dois volumes, entre 1871 e 1874, éá
abrangendo documentos relativos ao perodo 1601-1700. Sobre o mesmo tribunal, Carlos Pinto Coelho óá
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editou em 1900 uma monografia intitulada Apontamentos para a histria da Relação de Goa . Seguiu-se em í
1902 um estudo de Artur Magalhes da Silva sobre A Relao de Lisboa na sua origem e evolução.
Apontamentos para a histria desse tribunal . A primeira abordagem de fundo sobre o Supremo Tribunal de
Justia arrancou em 1872 com um ensaio crtico autoriado por Eduardo Daly Alves de Sá, apresentado ú
como tese de licenciatura Faculdade de Direito de Coimbra ( Supremo Tribunal de Justiça. Evolução
histrica... : 1872). No alvor dos anos trinta, as comemoraes do primeiro centenário do Supremo Tribunal çê
de Justia possibilitaram interessantes monografias assinadas pelos Conselheiros Azevedo Soares çã
( Supremo Tribunal de Justia : 1933), Caetano Gonalves ( Supremo Tribunal de Justiça : 1932) e
Eduardo Monteiro ( Comemorando o primeiro centenrio... : 1933).
Em 1987 e a propsito das novas instalaes do Minisrio Pblico no restaurado Palácio Palmela surgiu
uma pequena smula histrica da Procuradoria Geral da Coroa/Repblica, contendo retratos dos ç
Conselheiros Procuradores-Gerais e imagens do imvel. Jos Sarmento de Matos assinou os diversos
percursos do palcio ( Procuradoria Geral da Repblica. Palcio Palmela : 1987). Nesta mesma data, o Juiz
Desembargador Jos Pereira da Graa editou um roteiro do Palcio da Justia do Porto, contendo a
descrio das obras de arte encomendadas para aquele imvel ( Tmis a deusa da Justia ).
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Seria, porm, o ano de 1993 a assinalar a emergncia da Histria da Arquitectura de Justiça e da
Arquitectura Prisional, graas ao trabalho conjunto desenvolvido pela investigadora Maria Jos Moutinho
Santos e pela arquitecta Margarida Coelho, a propsito do Palcio da Relao e Cadeia do Porto. As
autoras traam os vrios percursos a que esteve sujeito o polivalente portuense setecentista, a codificação ú
e gesto dos espaos, degradao fsica, sobrelotao, decorao artstica, vivncias quotidianas. Trata-se
de um trabalho pioneiro e incontornvel, profusamente ilustrado e solidamente documentado. Em 1995
aparecem roteiros informativos sobre o Tribunal de Contas e o Supremo Tribunal de Justia, o ltimo
assinado pelo Conselheiro Bernardo de S Nogueira.