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Carla Amado Gomes
Profª. Auxiliar da Fac. de Direito da Universidade de Lisboa
Profª. Convidada da Fac. de Direito da Universidade Nova de Lisboa
carlamadogomes@fd.ul.pt
0. Introdução; 1. A protecção do ambiente na Convenção Europeia: uma protecção meramente reflexa; 1.1. A ausência do direito ao ambiente no catálogo da Convenção; 1.2. Uma selecção de casos; 2. Deveres de protecção do Estado e direitos de liberdade: o direito ao ambiente como propulsor de obrigações de prestação.
0. Comecemos por uma confissão. Para nós, o direito ao ambiente, tal como se encontra plasmado em instrumentos internacionais, leis constitucionais e leis ordinárias, não existe. Isto é, não constitui um direito com um substrato autónomo de outros direitos que lhe dão corpo (vida; integridade física; integridade psíquica; propriedade), antes se dissolvendo em pretensões, procedimentais e processuais, de acesso à informação, participação pública e acesso à justiça com vista à tutela da integridade dos bens ambientais naturais através do mecanismo da legitimidade popular. A par desta dimensão pretensiva, as normas que aludem a esta situação jurídica — que se resume a um interesse de facto na fruição de bens inapropriáveis, imateriais, de utilidades indivisíveis, “comuns do povo”, na terminologia do artigo 225, caput, da Constituição brasileira — albergam uma outra dimensão, impositiva, habitualmente esquecida porque relevando da responsabilidade colectiva pela gestão racional do bem: o dever de protecção do ambiente(1).
A abordagem da temática do direito ao ambiente por alguém que rejeita a existência de tal “direito” há-de suscitar, à partida, sérias desconfianças. A razão por que decidimos responder ao honroso convite que nos foi dirigido para integrar esta obra colectiva com uma análise da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre aquilo que alguma doutrina mais entusiasta qualifica como um direito ao ambiente prende-se, justamente, com o desejo de demonstrar que, nos casos referenciados, o que o Tribunal faz é converter clássicos direitos “negativos”(2) (direitos à vida; à inviolabilidade do domicílio; à intimidade da vida privada; de liberdade de expressão — artigos 2, 8 e 10 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem = CEDH(3)) em direitos a pretensões(4). Por outras palavras, o Tribunal aplicou a teoria das “obrigações positivas” do Estado a partir de normas em que o bem tutelado não é, pelo menos directamente, o bem-estar físico e psíquico das pessoas, desenvolvendo a tutela de faculdades de um direito geral de […]
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(*) Texto escrito para integrar a obra colectiva O tempo e os direitos humanos: entre a eficácia pretendida e a conquistada, organizada pela ABDH (Academia Brasileira dos Direitos Humanos).
(1) Para mais desenvolvimentos sobre o nosso pensamento neste ponto, vejam-se Carla AMADO GOMES, “O direito ao ambiente no Brasil: um olhar português”, in Textos dispersos de Direito do Ambiente, I, reimp., Lisboa, 2008, pp. 271 segs; idem, “Constituição e ambiente: errância e simbolismo”, in Textos dispersos de Direito do Ambiente (e matérias relacionadas), II, Lisboa, 2008, pp. 21 segs; idem, Risco e modificação do acto autorizativo concretizador de deveres de protecção do ambiente, Coimbra, 2007, pp. 111 segs.
(2) Sobre o sentido e alcance primário do nº 1 na delimitação do âmbito de protecção dos direitos aí plasmados, Carlo RUSSO, “Anotação ao artigo 8/1”, in Convention Européenne des droits de l’homme. Commentaire article par article, org. de Louis-Edmond Pettiti, Emmanuel Decaux e Pierre-Henri Imbert, Paris, 2000, pp. 305 segs, 307 segs.
(3) Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950 no seio do Conselho da Europa e com início de vigência em 3 de Setembro de 1953. Conta neste momento com 47 Estados aderentes (cfr. http:// conventions.coe.int, acessado em Junho de 2009).
(4) Cfr. Jaume VERNET e Jordi JARIA, “El derecho a un medio ambiente sano: su reconocimiento en el constitucionalismo comparado y en el Derecho internacional”, in Teoría y Realidad Constitucional, nº 20, 2007, pp. 513 segs, 521.