Identidade e diferença: Expressão juslaboral do princípio da igualdade na ordem jurídica de Macau (*)

Pedro Pereira de Sena (**)

«Nunca é tarde para abrirmos mão dos nossos preconceitos»
Henry David Thoreau,
Walden ou a vida nos bosques (1854)

Sumário: 1. Introdução — Da dignidade à igualdade. 2. O princípio da igualdade no ordenamento juslaboral de Macau. 2.1. Igualdade de oportunidades. 2.2. Âmbito de aplicação. 2.3. Discriminação: Conceito, delimitação e vertente positiva. 3. Factores de discriminação. I — Factores de discriminação relativos às características intrínsecas da pessoa e da sua personalidade. II — Factores de discriminação relativos ao exercício de direitos e liberdades fundamentais. III — Factores de discriminação relativos às características económicas e culturais. IV — Factores de discriminação emergentes. 4 — Conclusão.


1. Introdução – Da dignidade à igualdade

A concepção contemporânea do princípio da igualdade pode ser resumida na feliz expressão «todos diferentes, todos iguais», adoptada pelo Conselho da Europa como mote para a sua Campanha para a Diversidade, Direitos Humanos e Participação. A igualdade de todos os membros da família humana é proclamada no respeito pelas características próprias de cada pessoa, assumindo-se que a valorização das particularidades de cada membro da sociedade é um factor de enriquecimento colectivo. Porque cada pessoa é única – no seu aspecto físico, na sua maneira de pensar, nos seus gostos e preferências, na maneira de expressar ideias, pensamentos ou sentimentos –, cada pessoa pode contribuir para o todo social com algo de novo, fazendo com que a soma de todas as individualidades resulte num valor acrescentado. Desta forma, igualdade é diversidade e não uniformidade. O reconhecimento de que a igualdade é atingida através do respeito pela diferença afasta as visões da sociedade que pretendem que os Homens sejam iguais através da aniquilação do indivíduo e das suas singularidades perante a sociedade, as quais têm expressão em experiências históricas de totalitarismo de vários quadrantes ideológicos ou em representações literárias ao estilo orwelliano.
Ao dispensar-se reconhecimento àquilo que diferencia os indivíduos ao ponto de lhe atribuir tutela jurídica, está-se a invocar o princípio da dignidade da pessoa humana como critério para tal tutela. A adesão de uma sociedade aos valores de um Estado de Direito leva a que a dignidade da pessoa humana seja elevada a princípio estruturante da vida social e, logo, da sua ordem jurídica. Daí decorre uma concepção da relação entre a sociedade e o indivíduo na qual este, mais do que um mero elemento do grupo social em que se insere, é valorado na sua individualidade: cada pessoa é encarada como sendo um centro autónomo de imputação de direitos e como sujeito central e principal beneficiário dos direitos e liberdades fundamentais. Nesta acepção, a dignidade implica liberdade: cada pessoa tem o direito de conformar a sua actuação de acordo com as suas opções individuais, desde que socialmente aceitáveis. Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana tem como primeira consequência o respeito pela liberdade de auto-determinação ao nível dos comportamentos sociais responsavelmente assumidos (1).

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(*) Estudo apresentado no Seminário sobre o Novo Regime das Relações de Trabalho, organizado pelo Centro de Formação Jurídica e Judiciária, Macau, 25-26 de Junho de 2009 (actualizado em Julho de 2010).
(**) Mestre em Direito (Universidade de Hong Kong); Assessor da Assembleia Legislativa de Macau.
sena@al.gov.mo
(1) Vd. Maria da Glória Garcia, Estudos sobre o Princípio da Igualdade, Almedina (2005), p. 7.