O dever de realizar um aviso prévio no direito de manifestação

Eduardo Correia Baptista
Professor universitário (1)

Sumário: 1) Âmbito potencial do direito de manifestação. 2) Natureza do dever de realizar um aviso prévio. 3) Admissibilidade e âmbito de aplicação do dever de realizar um aviso prévio. 4) Consequências do seu incumprimento.

Alguns aspectos do regime do aviso prévio encontram-se esclarecidos, mas pretende-se com o presente escrito sistematizar algumas conclusões e questionar outras em relação à questão da sua natureza, do seu âmbito de aplicação e das consequências pela sua não realização em relação ao direito de manifestação.

1) Âmbito potencial do direito de manifestação

Enquanto direito fundamental (especificamente, direito, liberdade e garantia pessoal), o direito de manifestação é dotado de um âmbito potencial apurado pela interpretação do próprio preceito constitucional que o consagra (o n.º 2 do art. 45.º CRP). Interpretação esta que, naturalmente, deve ter presente todos os seus elementos tradicionais relevantes para a determinação do sentido do preceito atributivo, sem cuidar nesta fase de eventuais colisões com outros bens constitucionais.
Por interpretação sistemática, conclui-se que, não obstante este preceito não estabelecer literalmente quaisquer elementos negativos delimitadores do seu âmbito potencial, estes são susceptíveis de ser retirados do art. 45.º, n.º 1, relativo ao direito de reunião.
Esta conclusão baseia-se, desde logo, no facto de praticamente todas as manifestações colectivas serem igualmente reuniões (2). Logo, também estas terão de ser pacíficas e desarmadas por imposição do n.º 1 do art. 45.º, visto que existirá uma concorrência de aplicação entre ambos os números do art. 45.º. Mas baseia-se igualmente num argumento de maioria de razão: serão normalmente as manifestações que provocarão maiores receios de violência. Ou seja, igualmente um manifestante isolado deverá estar desarmado e não recorrer a meios violentos, sob pena de a sua acção ficar completamente desprotegida constitucionalmente, por se situar fora do próprio âmbito potencial do direito (3). O facto de nestes casos não se estar perante uma reunião será irrelevante.
Tendo presente estes elementos positivos e negativos, uma manifestação para efeitos do n.º 2 do art. 45.º CRP será uma exteriorização presencial pacífica e desarmada de quaisquer ideias que tenha terceiros por destinatários (ou seja, pessoas que não consentiram expressa ou tacitamente em ser destinatárias). Toda e qualquer acção humana que cumpra estes requisitos encontrar-se-á potencialmente protegida constitucionalmente, independentemente do conteúdo das ideias, que poderá ser político, religioso, cultural, desportivo ou mesmo científico (4).

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(1) ecbap@sapo.pt
(2) Devendo o direito de reunião ser gozado presencialmente e sem recurso a veículos, entende-se que podem existir manifestações colectivas que não são reuniões quando sejam utilizados automóveis ou outros meios similares de locomoção pelos manifestantes. Deste modo, uma manifestação composta por manifestantes que seguem numa caravana de automóveis não será uma reunião para efeitos do direito de reunião, mas será um gozo do direito de manifestação. Neste sentido, o âmbito do direito de manifestação é mais amplo do que o de reunião, por força da sua importância decisiva enquanto elemento da Democracia participativa.
(3) Sublinhe-se que o art. 45.º exclui do âmbito dos direitos de reunião e de manifestação os actos violentos ou compostas por pessoas armadas, mas não proíbe por si tais actos. Excluir do âmbito de protecção (ou seja, desproteger) não equivale a proibir. Tal proibição decorre de outros preceitos constitucionais que consagram bens incompatíveis com tais actos (direito à vida, integridade física ou propriedade no caso da violência; ou integridade moral em face de actos hostis de pessoas armadas) e do art. 18.º, n.º 1, parte final, que impõe um dever individual de os respeitar.
(4) Praticamente, o único limite será o seu carácter não comercial ou, em geral, lucrativo. Uma exteriorização de uma mensagem publicitária não será uma manifestação, por não constituir uma ideia para efeitos deste direito, enquanto algo que se defende pelo seu valor intrínseco e não com fins lucrativos. Ou seja, mesmo aceitando que a publicidade ainda se