Medidas de “combate” aos Paraísos Fiscais numa economia globalizada subordinada ao dogma liberal – um paradoxo incurável? (*)

Maria Leonor Machado Esteves de Campos e Assunção
Professora Coordenadora na Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Viseu

Correspondendo à ideia de criar uma “ordem global” que possibilite a regulação da economia, assiste-se à criação de medidas “de comba- te” aos denominados “paraísos fiscais”, aos quais se imputa boa parte da responsabilidade pelas crises económicas do dealbar do século. Destacam-se, no plano internacional, as iniciativas levadas a cabo pela OCDE, pelo GAFI/FATF e pelo FMI e, no plano interno, a legislação anti-abuso. Não obstante, encontrando-se a génese e a evolução dos “paraísos fiscais” ligada irrefragavelmente à globalização da economia suportada no paradigma que assenta, ainda, nas leis da entidade mítica mercado, onde o capital exige liberalização máxima, inexistência de controlo e de regulação com vista à maximização do lucro, afigura-se incuravelmente paradoxal a proclamada tentativa de proibir os “paraísos fiscais” ou, mesmo, a decisão de controlar tal realidade que, no seu núcleo essencial, identitário, e na sua teleologia é, exasperadamente, contrária a regras e disciplina.

Introdução

Vem-se assistindo, desde a última década do século XX, a um requisitório, no plano interno, como no plano internacional, contra o que se convencionou chamar “paraísos fiscais”, designadamente, contra determinadas características, pode dizer-se, identitárias, dessas realida- des, que conduziu à tomada de medidas normativas e práticas tendentes ao seu controlo e, muito recentemente, a consensuais Declarações Programáticas no âmbito de conferências internacionais, de que é exemplo a Cimeira do G20(1) do mês de Abril, que assentam na necessidade de combater o que se tornou numa espécie de “flagelo” e a que se imputa, não sem fundadas razões, boa parte da responsabilidade pelas sucessivas crises económicas do dealbar do século.

As denominadas medidas de combate aos paraísos fiscais, na sua dimensão jurídico-normativa, inserem-se numa estratégia alargada que visa a criação de uma “ordem global” que possibilite a regulação da economia(2), rectius da actividade financeira, privilegiando a transpa- rência das operações, através do reforço dos mecanismos de controlo prudencial, da supervisão, da governabilidade e da gestão, nomeada- mente dos riscos, bem como da revisão das normas contabilísticas, e previna e reprima factores de perversidade, como são agora considera- dos os espaços off-shore, estrangeiros ao controlo, naturalmente avessos ao fornecimento de informação e à cooperação, privilegiados para ocultar quer rendimentos que fogem aos impostos e que aí não são […]

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(*) O presente artigo corresponde, no essencial, a um trabalho apresentado e avaliado no âmbito da parte escolar do Curso de Doutoramento em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Santiago de Compostela
(1) Declaration on Strengthening the Financial System, Londres, 2 de Abril de 2009, em particular, as proclamações em matéria de Paraísos fiscais e jurisdições não cooperantes, p. 4 (em bold e sublinhadas no documento), in, www.londonsummit.gov.uk
(2) Laurent Cordonnier exprime uma opinião, partilhada, de resto, por um conjunto de economistas, manifestamente crítica sobre as reais intenções desta “nova ordem global” que, longe de ter subjacente uma vontade seriamente reformadora, repristina o modelo liberal através de um conjunto de medidas de “engenharia de natureza técnico-política” que preten- dem, tão só, “anular as derivas induzidas por uma doutrina que continua intacta: a que cria os riscos em nome da liberdade de iniciativa e tenta em seguida domesticar a besta, uma vez que ela foi ultrapassada pela sua criatura”, por outras palavras, o “espartilho das instituições, regras, normas e cartas que se vai abater sobre a economia mundial …… define a altura da gaiola que é necessário construir quando se quer exibir um tigre de Bengala numa escola de crianças”. Esta ordem global deixa de fora, quiçá, intencionalmente, uma reflexão sobre o âmago da questão, o sentido (necessidade, utilidade e importância) e o âmbito (funções essenciais) da actividade financeira no mundo actual, in «A crise, o G20 e a “Nova Ordem Global”. Remendos no “Titanic” da finança global», in, Le Monde diplomatique, edição portuguesa, Abril de 2009, p. 8.