Memorias do Carcere – (Vol. II, Porto, 1862)


(…) Agora direi o que é actualmente a cadeia, reformada por immediata inspecção do senhor Camillo Aureliano da Silva e Sousa, procurador regio.

A serventia das enxovias deixou de fazer-se por alçapões. Ha portas de communicação para o páteo central, onde sahem os prêzos a receber os alimentos, e onde entram as familias dos prêzos á hora permittida. A comunicação exterior, das grades para as ruas, cessou com a reformação interna.

Os prêzos que tem officio trabalham e vivem juntos como em vasta officina de occupações mais semelhantes. Os operarios em esparto estão em commum; alfaiates e sapateiros trabalham á parte d’aquelles; os carpinteiros tem os seus bancos em cada prizão; os prêzos que entram sem officio aprendem a trançar chapéos, a fazer escovas, ou outros mesteres de menos difficil aprendizagem.

As tarimas foram ou vão ser reformadas, segundo os dictames de melhor hygiene, que nunca será a precisa, porque a ventilação da casa é má e irremediavel.

Os prêzos necessitados recebem vestimentas da procuradoria regia ou da Misericordia. A limpeza corporal requer reformas fundamentaes, que a simples fiscalisação das authoridades administradoras da cadeia não basta a fazer. Ainda assim os prêzos se não andam lavados, é porque já fóra da cadeia gostavam de andar sujos. A agua é abundantissima; lá estão algumas tinas á disposição dos prêzos.

Ao actual procurador regio se deve a iniciativa de muitas obras, se não perfeitas, o mais que podiam sêl-o em conformidade com a localisação e os recursos. Em obras de segurança, merece louvores a authoridade, até mesmo pela superfluidade de ferro que manda cintar as portas, e triplicar nas janellas. Em corredores devolutos vão construir-se quartos particulares para prêzas que os queiram pagar. A enxovia está sendo o

receptaculo commum de todas. Ha poucos dias vi eu, no escriptorio da Relação, uma senhora accusada de envenenar e matar o marido, pedindo com lagrimas que a tirassem da enxovia, ou a mandassem matar. O carcereiro não podia sequer fazer-lhe o favor de a matar. Está a criminosa condemnada a pena capital. Esta sentença é um ludibrio para os criminosos que desejam morrer. A padecente ha de agonisar alguns annos em enxovias, e depois será levada á sepultura d’Africa.

Tanto bradar contra a pena de morte! De que esteios de esperança pende a vida d’aquella mulher? Quem cuida em morigeral-a, e rehabilitala pelo arrependimento? Onde encontrará ella o sacerdote que lhe accenda o fogo interior do remorso purificante, e depure alguma porção da alma que a sociedade repelle, e Deus misericordioso acceita?

Camilo Castello Branco