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Carlos Casimiro Nunes(1)
Maria Raquel Mota(2)
Sumário: I — Evolução Legislativa. 1. A autonomização do crime de maus tratos (artigo 153.º do CP de 1982). 2. O crime de maus tratos previsto no artigo 152.º do CP de 1995. A — A redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15/03. B — A redacção introduzida pela Lei n.º 65/98, de 02/ /09. C — A redacção introduzida pelo artigo 152.º da Lei n.º 7/2000, de 27/ /05. 3. A autonomização do crime de violência doméstica com a Lei n.º 59/ /2007. II — Tipos de Violência. III — Âmbito da Norma. 1. O bem jurídico protegido. 2. A natureza jurídica do tipo legal. 3. Âmbito de Aplicação Subjectivo. A — O Autor. B — Os Sujeitos Passivos. IV — A alínea b) do n.º 1 do artigo 152.º do CP. V — Direito Comparado. VI — Âmbito de aplicação do crime de violência doméstica face aos crimes de ofensa à integridade física. 1. Bem Jurídico no Crime de Ofensa à Integridade Física. 2. O Crime de Ofensa à Integridade Física Simples. 3. O Crime de Ofensa à Integridade Física Grave. 4. O Crime de Ofensa à Integridade Física Qualificada. 5. O Crime de Violência Doméstica Versus os Crimes de Ofensa à Integridade Física. VII — Os meios de prova. VIII — Conclusão.
I – EVOLUÇÃO LEGISLATIVA
1. A autonomização do crime de maus tratos (artigo 153.º do CP de 1982)
O crime de violência doméstica teve a sua génese no artigo 153.º do Código Penal de 1982, que tinha como epígrafe “maus tratos ou sobrecarga de menores e de subordinados ou cônjuges”. Foi Eduardo Correia(3) quem propôs a autonomização do crime de maus tratos nos artigos 166.º e 167.º do Projecto do Código Penal (de sua autoria), sem, no entanto, prever os maus tratos entre cônjuges, ilícito que veio a ser introduzido na redacção definitiva do Código Penal pela Comissão Revisora, ficando a constar do n.º 3 do referido artigo 153.º.
O artigo 153.º delimitava uma série de situações, comitivas ou omissivas, caracterizadas pelas relações existentes entre autor e vítima (crime específico), punindo, nos seus números 1 e 2, comportamentos violentos (maus tratos físicos, tratamento cruel), que se inscreviam numa relação de subordinação e/ou guarda, em que o responsável familiar ou laboral podia abusar de pessoa particularmente vulnerável (menor de 16 anos, mulher grávida, pessoa fraca de saúde ou menor). Por sua vez, no nº 3 punia o cônjuge que maltratasse o outro por lhe infligir maus tratos físicos, que o tratasse cruelmente ou não lhe prestasse os cuidados ou a assistência à saúde, sendo certo que se entre os cônjuges existia (como hoje), ao nível legal, uma situação de igualdade, esta, na prática, não se verificava, já que um deles era frequentemente dominado de facto pelo outro.
No que diz respeito à descrição típica da conduta ilícita, os vários verbos utilizados na redacção da norma em análise implicavam uma ideia de reiteração e de continuidade ou, pelo menos, de intensa gravidade.
No que concerne ao elemento subjectivo, o tipo legal exigia que os maus tratos revelassem “malvadez ou egoísmo”, pelo que a doutrina e jurisprudência maioritárias exigiam, para a verificação do tipo incriminador, a existência de um dolo específico.
Teresa Pizarro Beleza (1989)(4) não concordava com essa exigência e, contrariando o entendimento jurisprudencial dominante (plasmado, nomeadamente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 04 de Julho de 1984 citado e analisado pela Autora na obra mencionada), […]