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Colaço Antunes (**)
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Nulidade e inexistência do acto administrativo. Uma distinção inútil? 3. Continuando a desbravar o Holzweg doutrinário. 4. Ressurreição dos efeitos jurídicos do acto nulo em sede cautelar? 5. A nulidade administrativa e as suas circunstâncias. 6. Exegese final.
1. Introdução
Escrevemos pouco, muito pouco, porque aprendemos que não se pode dizer muito com textos gordos.
O objecto desta pequena reflexão é a nulidade do acto administrativo, interrogando-nos se a diferença ou distinção em relação ao acto inexistente é apenas terminológica. Será o acto inexistente um não-acto (Nicht- Vaen), como sustenta boa parte da doutrina alemã? (1)
As nossas reflexões são exclusivamente de teor dogmático e prático, como se verá.
A nulidade do acto administrativo tem sido tradicionalmente vista pela doutrina e pela jurisprudência pelo lado da excepcionalidade, apresentando-se como regra de invalidade do acto a anulabilidade. Esta ideia deriva não só da necessidade do direito administrativo se autonomizar do direito civil e do seu regime jurídico típico de invalidade – a nulidade –, como também da influência original do direito administrativo francês, baseado no princípio pas de nullité sans texte (2).
Repare-se que até à entrada em vigor do CPA, vigorava entre nós o princípio da tipicidade dos actos nulos, regra que foi quebrada essencialmente (3) com o estabelecimento de uma cláusula geral (artigo 133.º/1 do CPA), a chamada nulidade por natureza ou virtual, cláusula essa de nítido sabor civilista. Não surpreende, portanto, que, embora com diferentes ressonâncias na doutrina (uns a favor outros contra) (4), se tenha verificado a absorção da inexistência pela nulidade do acto administrativo. Por outras palavras, a inexistência jurídica era e é equiparada, nos seus efeitos jurídicos, à figura da nulidade do acto administrativo.
Solução legal e doutrinária que, aliás, nos parece contraditória com a necessidade de superar a rigidez da regra pas de nullité, nomeadamente com a criação de um espaço normativo próprio para a figura da inexistência do acto administrativo.
Com o CPA verificou-se não apenas um alargamento da invalidade como também a sua normalização, ao contemplar no artigo 133.º dois tipos de nulidade: a nulidade por natureza (artigo 133.º/1 do CPA) e a nulidade por determinação legal (artigo 133.º/2 do CPA). O alargamento da nulidade administrativa também não é alheio ao teor desta disposição, que optou por uma enumeração exemplificativa (“são designadamente actos nulos”), sem que os actos nulos por determinação legal deixem de ser (na maioria dos casos) nulidades por natureza.
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(*) Este estudo destina-se a ser publicado no Livro de Homenagem ao Senhor Professor Doutor Jorge Miranda.
(**) Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
(1) Em geral, a doutrina alemã afirma a eficácia externa ou formal do acto nulo como elemento distintivo do acto inexistente. Cfr. B. ERBGUTH, Der Rechtsschutz gegen die Aufhebung begüngstigender Verwaltungsakte. Zugleich ein Beitrag zum Systematik des §43 VwVfG (Wirksamkeit und Umwirksamkeit von Verwaltungsakten), Baden-Baden, 1999, pp. 883 e ss.
(2) MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, I, 10.ª ed., Coimbra, 1980, pp. 512 e ss.
(3) Veja-se também a enumeração exemplificativa do n.º 2 do artigo 133.º do CPA.
(4) Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, 2007, pp. 140 e ss e 160 e ss; FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Coimbra, 2001, pp. 413 e ss; PAULO OTERO, Legalidade e Administração. O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, Coimbra, 2003, pp. 975 e ss.