O papel da Polícia Judiciária no sistema de justiça (*)

PARTE I

F. Teodósio Jacinto
Procurador-Geral Adjunto (**)

I. Introdução: a Polícia Judiciária, corpo superior de polícia criminal incumbido da prevenção e investigação da criminalidade mais grave, em especial a altamente complexa e violenta e a criminalidade organizada transnacional. II. Evolução histórica – aspectos essenciais. III. Polícia Judiciária – natureza e enquadramento institucional. IV. Organização e competências da Polícia Judiciária. V. A articulação entre a Polícia Judiciária e as autoridades judiciárias, em especial o Ministério Público. A autonomia técnica e táctica da Polícia Judiciária e a direcção da investigação criminal. VI. A fiscalização da Polícia Judiciária e o dever de o Ministério Público prestar contas à comunidade.

I. Introdução: a Polícia Judiciária, corpo superior de polícia criminal incumbido da prevenção e investigação da criminalidade mais grave, em especial a altamente complexa e violenta e a criminalidade organizada transnacional

A Polícia Judiciária, no seu modelo actual, foi criada pelo Dec-Lei n.º 35042, de 20.X.1945, o qual procedeu à reorganização dos serviços de polícia judiciária e à sua integração “no plano geral do sistema processual comum das instituições de prevenção e repressão criminal” – cf. o preâmbulo desse diploma legal.

A sua antecessora imediata foi a Polícia de Investigação Criminal, criada em 1918 (Decreto nº 4166, de 27 de Abril), na dependência do Ministério do Interior, e reorganizada pelo Decreto n.º 8435, de 21 de Outubro de 1922.

De salientar que, em 1927, os serviços das Polícias de Investigação Criminal de Lisboa, Porto, Coimbra e Braga foram transferidos para o Ministério da Justiça – Decreto n.º 14657, de 5 de Dezembro –, sendo pois bem longa a tradição portuguesa de integração da Polícia Judiciária na dependência do Ministério da Justiça.

Como refere Figueiredo Dias, essa colocação na dependência do Ministério da Justiça teve em conta a sua “quase exclusiva relacionação com a preparação de processos penais” e visou, acima de tudo, eliminar a existência de uma via dualista nas relações entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária(1).

Essa mesma orientação tem continuado a ser seguida, justificando-se que a PJ “assuma e aprofunde a sua vocação judiciária”, o que se concretiza através da “uma inserção mais articulada e profícua no mundo da justiça e das suas instituições e, em particular, valorizando na sua actividade uma decidida ‘orientação para o julgamento”(2).

Como é sabido, tal inserção tem sido controvertida, nos últimos anos, tendo surgido propostas, estudos e cenários que versaram opções diferentes, mais ou menos inspiradas num princípio de unificação policial, à luz da diversidade de soluções que vigoram na Europa, optando, porém, a nova Lei Orgânica da Polícia Judiciária (Lei nº 37/2008, de 6- -08), por manter o modelo vigente desde 1927(3). […]

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(*) Texto que serviu de base à intervenção, em 26-06-2009, no Seminário em Administração da Justiça – Mestrado em Administração da Justiça, Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho.
(**) Director do Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais, de 2/9/2002 a 20/3/2007, período em que foi membro do Conselho de Administração da Academia Europeia de Polícia/CEPOL, tendo sido eleito, em Junho de 2006, Vice-Presidente da Associação Europeia dos Colégios de Polícia/AEPC.
(1) Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1981, pg. 399.
2) Cf., p. ex., a intervenção do Ministro da Justiça na sessão comemorativa do 61.º Aniversário da PJ, em 20.X.2006, disponível em: www.mj.gov.pt/sections/o-ministerio/gabinete- do-ministro-da/discursos/intervencao.
(3) Cf. A intervenção do Ministro da Justiça, na Assembleia da República, em 19-07- -2007, aquando da discussão da nova Lei Orgânica: http://www.ps.parlamento.pt/ ?menu=intervencoes&id=1782&leg=X; o Relatório Preliminar e o Estudo Preliminar do Estudo para a Reforma do Modelo de Organização do Sistema de Segurança Interna, da autoria dos Prof. Doutores Nuno Severiano Teixeira, Nelson Lourenço e Nuno Piçarra, disponíveis em, respectivamente: http://www.ipri.pt/eventos/pdf/Sumarioexecutivo.pdf e http://www.mne.gov.pt/NR/rdonlyres/A82D297B-2749-40E9-84A6-174A69D3A62A/0/ Estudo_Preliminar_Reforma_Seguranca_Interna.pdf.