O papel do Ministério Público na fiscalização da constitucionalidade*

Joana Amaral Rodrigues
Jurista no Banco de Portugal
Mestre em Ciências JurídicoCriminais pela
FDUC
Doutoranda na FDUNL


SUMÁRIO: 1. Enquadramento genérico do sistema de fiscalização da constitucionalidade em Portugal 2. Nota sobre o Ministério Público português 3. O controlo preventivo: a fiscalização preventiva da constitucionalidade (artigos 278.º e 279.º da CRP) 3.1. Em geral 3.2. O papel do Ministério Público 4. O controlo (sucessivo) “por via principal”: a fiscalização abstracta da constitucionalidade (artigos 281.º e 282.º da CRP) 4.1. Em geral 4.2. O papel do Ministério Público 5. O controlo (sucessivo) “por via incidental”: a fiscalização concreta da constitucionalidade (artigo 280.º da CRP) 5.1. Em geral 5.2. O papel do Ministério Público 5.2.1. Recurso de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo 5.2.2. Recurso de decisões que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade 5.2.3. Recurso de decisões que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional 5.2.4. Recurso de decisões que apliquem norma anteriormente declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional 5.2.5. Recurso de decisões que apliquem norma anteriormente julgada inconstitucional pela Comissão Constitucional 5.2.6. Nota sobre os recursos do Ministério Público analisados 5.2.7. Outros casos de recurso obrigatório para o Ministério Público 6. O controlo abstracto por omissão: a inconstitucionalidade por omissão (artigo 283.º da CRP) 6.1. Em geral 6.2. O papel do Ministério Público 7. Conclusão.


Afirmandose a Constituição da República Portuguesa (de ora em diante, CRP) como a lei fundamental nacional, a respectiva ordem jurídica deve ser com ela conforme, donde resulta que todas as normas devam respeitar a lei básica. Assim, a fiscalização da constitucionalidade visa prevenir a criação de normas violadoras da Constituição, reagir contra as suas efectivas violações e alertar para o seu não cumprimento por omissão de medidas legislativas necessárias[1].

A fiscalização da constitucionalidade encontrase prevista no Título I da Parte IV da CRP (artigos 277.º a 283.º da CRP), apresentando a sua disciplina uma lógica “transparente e congruente”[2]: iniciase com a definição da inconstitucionalidade por acção (artigo 277.º[3]), ao que se segue a disciplina das suas modalidades, ou seja, a fiscalização preventiva (artigos 278.º e 279.º) e a fiscalização sucessiva, esta última desdobrada na sua dimensão concreta (artigo 280.º) e abstracta (artigos 281.º e 282.º); finalizase com o regime da inconstitucionalidade por omissão (artigo 283.º).

De modo a melhor contextualizar o sistema nacional, esboçase em traços muito largos, partindo da análise de Jorge Miranda[4], os três grandes modelos ou sistemas típicos de garantia da constitucionalidade:

a) o modelo de fiscalização política, habitualmente designado de tipo francês, em que pode distinguirse a fiscalização pelo próprio Parlamento ou a fiscalização por órgão político especialmente constituído para o efeito;

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* O presente texto corresponde à primeira parte (de três) de um estudo de direito comparado – no qual se analisava a intervenção do Ministério Público nos sistemas de fiscalização da constitucionalidade português, espanhol e italiano –, apresentado em Setembro de 2011 no âmbito da disciplina Direito Público Comparado, regida pelos Senhores Professores Doutores Diogo Freitas do Amaral e Tiago Duarte e integrada no 3.º Ciclo de Estudos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (ano lectivo 2010/2011). Corresponde, portanto, à parte do estudo do caso português (com algumas adaptações).

[1] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume II, 4.ª edição revista, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 880.

[2] Assim Gomes Canotilho e Vital Moreira, ibidem.

[3] Não constando indicação diversa, a referência é sempre feita aos artigos da CRP.

[4] Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo VI, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, pp. 105 e ss.