O sistema de quotas para pessoas com deficiência no acesso ao emprego público: ontem, hoje… e amanhã? (*)

Rodrigo Godinho Santos (**)
Jurista

SUMÁRIO: 0. Introdução; I. Enquadramento e surgimento das quotas no acesso ao emprego público; II. A aplicação do DL 29/2001 até 2008; III. A aplicação do DL 29/2001 após a Lei 12-A/2008; IV. Pistas para o futuro do DL 29/2001

0. Na sociedade dos dias de hoje, o direito ao trabalho é tido como um meio essencial para que qualquer cidadão possa atingir a sua plena realização pessoal. No caso das pessoas com deficiência, este direito tem ainda uma importância reforçada, já que ele representará, na prática, um dos meios através dos quais melhor poderão estas pessoas alcançar uma plena inserção e participação no tecido social, passo essencial para a tão almejada verdadeira igualdade material. Não admira, por isso, que os textos legais de valor superior (convenções internacionais, normativos de Direito da União Europeia, normas constitucionais nacionais ou leis de bases) contemplem amiúde disposições destinadas a garantir, ou incentivar, o trabalho, em particular de pessoas com deficiência, procurando que nele e através dele, se alcancem verdadeiras condições de igualdade social.
No entanto, as estatísticas e a própria realidade demonstram que estamos (e estaremos nos tempos mais próximos) longe de atingir uma situação de igualdade no que diz respeito ao acesso e permanência no mercado de trabalho. As pessoas com deficiência não só têm dificuldades acrescidas no acesso e conclusão de etapas formativas (quer em contexto escolar ou universitário, quer em contexto de formação para o emprego), como ainda enfrentam maiores dificuldades para ingressar no mercado de trabalho propriamente dito (seja por conta própria seja por conta de outrem), e ainda subsistem com alguma indesejada frequência barreiras que dificultam a progressão ou mesmo a manutenção de postos de trabalho.
Porque buscamos uma sociedade que espelhe o princípio da igualdade, em que todos possam dar um contributo igual apesar das suas próprias diferenças, e porque há que aproximar os níveis de empregabilidade das pessoas com deficiência daqueles que se verificam entre os demais cidadãos, surge a necessidade de criar algumas discriminações positivas.
O objecto do presente estudo será justamente uma dessas medidas de discriminação positiva vigente no ordenamento jurídico português, especificamente o sistema de quotas no acesso ao emprego público para pessoas com deficiência, medida que foi criada pelo DL n.º 29/2001, de 3 de Fevereiro. Como tem sido este regime aplicado? O que mudou após a entrada em vigor do novo enquadramento legal do emprego público? O que fará sentido mudar? Serão estas algumas das perguntas que nos acompanharão ao longo do presente trabalho, que consistirá na tentativa de desenho de algumas das respostas possíveis a estas mesmas questões.
Procuraremos, enfim, demonstrar que, no actual quadro jurídico que enforma a constituição da relação de emprego público, o sistema de quotas de acesso para pessoas com deficiência está francamente debilitado, correndo o risco de se tornar ainda mais difícil a sua já reduzida aplicabilidade.
Na hora de iniciarmos esta exposição, são devidos alguns agradecimentos, que desde já gostaríamos de manifestar. Começaremos por  […]

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(*) Trabalho elaborado no âmbito do I Curso Pós-Graduado “O Direito e os Direitos de Pessoas com Deficiência” organizado pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Lisboa, com coordenação da Prof.ª Doutora Carla Amado Gomes e do Mestre Jaime Valle, no ano lectivo de 2009/2010.
(**) Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. I Curso Pós- -Graduado “O Direito e os Direitos de Pessoas com Deficiência”, Inst. de Ciências Juridico- -Políticas da FDUL, 2010. Assessor Jurídico do Conselho Directivo da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P. Membro da Direcção Nacional da ACAPO – Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal.