O Tribunal Plenário, instrumento de justiça política do Estado Novo

Irene Flunser Pimentel
Investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa

Num livro, intitulado Notas sobre a Instrução Criminal, editado em 1968 — que foi, aliás, apreendido pela polícia política —, o advogado Francisco Salgado Zenha enumerou «os passos sucessivos do regime de excepção» erguidos pelo Estado Novo, em oposição ao Código de Processo Penal de 1929, «em prejuízo manifesto do direito de defesa do arguido». Numa primeira fase – observou –, tinha sido atribuída, à Polícia de Instrução Criminal (PIC, a antecessora da Polícia Judiciária), «competência, paralela à dos juízes, para proceder à investigação pré-acusatória de certos delitos e para julgar certas infracções e categorias».

Depois, numa segunda fase, a partir de 1945, os poderes da Polícia Judiciária (PJ) haviam sido ampliados, «por via da restrição dos poderes instrutórios do juiz e da possibilidade de privação da liberdade atingir 180 dias sem qualquer controle judicial, bem como a atribuição de competências instrutórias ao Ministério Público, “uma agência do Governo, a ele sujeito”»(1). Contra este estado de coisas, qualificado de «policialização ou administrativação da instrução», Zenha defendia a «judicialização de todo o processo penal», como se verá mais adiante.

A criação dos tribunais plenários, da PJ e da PIDE. 1945.

Efectivamente, terminada a II Guerra Mundial, Salazar prometeu eleições «livres como na livre Inglaterra» e assegurou que uma série de decretos iriam «suprimir o regime excepcional sobre a segurança do Estado e garantir de modo efectivo a liberdade dos cidadãos contra a eventualidade de prisões arbitrárias». Nessa lógica, o governo mudou também o nome de algumas das suas instituições mais conotadas com os regimes fascista e nacional-socialista, entre os quais se contaram o das polícias criminal – PIC – e política – PVDE -, e “civilizou” os Tribunais Militares Especiais, que julgavam os “crimes” políticos, até 1945.
Entre outros decretos promulgados nesse ano que se referiam ao processo de Justiça, contaram-se o DL n.º 35 007, que remodelou os princípios do processo penal, bem como o DL n.º 35 041, que concedeu uma amnistia «suficientemente ampla para abranger todos os crimes contra a segurança interior e exterior do Estado», com excepção dos atentados pessoais, dos crimes de rebelião armada e dos que tomaram a forma de terrorismo político»(2). Por seu lado, o DL nº 35 044 de 20 de Outubro de 1945 extinguiu o Tribunal Militar Especial (artigo 41.º) e transferiu os processos dele pendentes para um Plenário do Tribunal Criminal (artigo 13.º), de composição civil. O diploma instituiu, nas comarcas de Lisboa e Porto, um tribunal criminal, um tribunal correccional e um tribunal de polícia, fixando uma forma especial de funcionamento do tribunal criminal enquanto tribunal plenário (TP).
O tribunal correccional preparava e julgava os processos correccionais e de polícia correccional e o tribunal de polícia, que tinha substituído o tribunal de pequenos delitos, julgava os processos sumários e de transgressões. Quanto ao tribunal criminal, quando não funcionava em plenário, era composto pelo juiz do juízo criminal onde corria o […]

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(1) Francisco Salgado Zenha. Liber Amicorum, org. de Eduardo Paz Ferreira, José Joaquim Gomes Canotilho, Mário Mequita, Miguel Galvão Teles, Teresa Ambrósio e Xencora Camotim, Coimbra Editora, 2003, pp. 102,105, 307 e 703.
(2) Arquivo Salazar no IANTT, AOS/CO/IN-8 C-23, pastas 27 e 30, «Presos e deportados 17/5/45».