Uma perspectiva das reformas necessárias ao Processo Penal português (*) (**)
Saragoça da Matta
Advogado
Sumário: I – Introdução. 1. O cenário em que se desenrola a acção. 2. “O” problema da Justiça criminal portuguesa. II – Pistas de reflexão para um Processo Penal futuro. 1. Razão de ordem. 2. Medidas de coacção e de garantia patrimonial. 3. Canais de comunicação entre soberanias. 4. Incremento da celeridade no processamento dos pleitos criminais. 5. Prescrição. 6. Especialização das instâncias formais de controlo. 7. Determinação dos factores atributivos de competência territorial. 8. Alargamento da legitimidade para constituição como Assistente. 9. Direito probatório. 10. Medidas cautelares e de polícia. III – Propostas de Reforma imediata do processo penal português. 1. Criação de um registo nacional de pendência criminal. 2. Clarificação do momento de abertura dos inquéritos. 3. Alargamento temporal da aplicabilidade do instituto da suspensão provisória do processo dentro do processo. 4. Facilitação da aplicabilidade da suspensão provisória do processo em sede de inquérito. 5. Regime de urgência processual nos processos sumários e abreviados. 6. Segredo de justiça. 7. Propostas de intervenção no processo sumário. 8. Propostas de intervenção no processo abreviado. 9. Propostas de intervenção no processo sumaríssimo. 10. Outras propostas para reflexão futura. Anexo I. Anexo II. Anexo III.
I. INTRODUÇÃO
1. O cenário em que se desenrola a acção
1. Toda e qualquer obra humana é susceptível de melhorias. E se o é cabe aceitar que é também, do mesmo passo, susceptível de crítica. Assim também a Justiça que criámos em Portugal, rectius, que nos criaram para Portugal. E esta rectificação consignada em texto não ficou anotada por mero acaso. É que precisamente no campo de Justiça criminal portuguesa os últimos anos foram férteis em criações que são, na melhor das hipóteses, susceptíveis de crítica.
Com efeito, a maioria das inovações legais no âmbito da legislação nuclear que disciplina a justiça criminal foram animadas por um mal disfarçado interesse em adequar o processo criminal e o direito criminal à realidade de algum(ns) processo(s) concretos. Como tal, acabaram por ser reformas legislativas totalmente desconexas com as reais necessidades da sociedade, em total e frontal contra ciclo com tudo quanto nos demais ordenamentos criminais mundiais lato sensu se tem vindo a fazer, e, o que mais é, até em contradição com outras reformas tópicas que foram sendo paralelamente introduzidas em outra legislação avulsa.
Estranhamente, porém, após a introdução dessas inovações legais verificou-se, nos primeiros tempos, um estranho conformismo por parte da doutrina temática, e uma adesão incondicional por parte da Advocacia, crente que estava (vá-se lá saber porquê!) em que a reforma tutelava os interesses dos clientes da advocacia. Como se os “clientes da advocacia” fossem sempre os autores dos factos criminosos / os arguidos, e nunca os objectos dos ataques do facto /as vítimas dos factos criminosos; e como se todas as alterações fossem benéficas para os arguidos.
Tal situação gerou um indisfarçável desconforto em pouco mais de dois anos de vigência das últimas reformas, protagonizado essencialmente pelas magistraturas e pela própria consciência social, potenciada por uma comunicação social cada vez mais atenta às incongruências do sistema.
No plano doutrinal, porém, o silêncio imperou. Excepção feita a algumas esparsas observações no domínio do comentário mediático, a […]