Os princípios da prevenção e da precaução no âmbito do direito do ambiente – A perspectiva jurídico- -administrativa (necessariamente) geral

Júlio Barbosa e Silva
Auditor de Justiça

Sumário: 1 – Introdução. 2 — Entrando nos princípios propriamente ditos. 2.1. A prevenção. 2.2. A precaução. 3 – A Lei e a defesa do ambiente. 4 — Os mecanismos procedimentais e processuais de defesa do ambiente. 5 — A aplicação (ou não) dos princípios e defesa do ambiente por parte da jurisprudência. 6 — Conclusão.

1 – Introdução

O art. 66.º da Constituição da República Portuguesa estabelece o direito fundamental ao ambiente (1).
É este, então, o ponto de partida para a ligação entre o direito administrativo, o direito do ambiente e o princípio da prevenção, objecto deste estudo. É sabido que um dos campos privilegiados para a discussão e prática da protecção ambiental é o campo do direito administrativo.
Com efeito, é aí que o direito confere/pode conferir particular atenção à problemática jurídico – ambiental, estando umbilicalmente ligado à justiça administrativa (2).
A comprovar tal afirmação surgem, em Portugal, desde logo, e apenas para nomear dois, os exemplos dos campos electromagnéticos produzidos pelas linhas e instalações eléctricas de alta e muito alta tensão e os muito debatidos processos de co-incineração
(3). Como o progresso técnico-científico é consideravelmente mais rápido do que a criação de legislação terá de se dotar o ordenamento jurídico português de mecanismos que salvaguardem situações de incerteza técnica e científica por forma a dar resposta às exigência ambientais e “cautelares” das populações (4).
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(1)
“1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.
2. Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos:
a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão;
b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem;
c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico;
d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações;
e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico e da protecção das zonas históricas;
f) Promover a integração de objectivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial;
g) Promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente;
h) Assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida.”
(2) Luís Filipe Colaço Antunes “Direito Público do Ambiente: diagnose e prognose da tutela processual da paisagem”, Almedina, Coimbra, 2008, p. 50 refere que “Se a justiça ambiental faz parte da justiça administrativa, não será inútil chamar a atenção para as suas peculiaridades em matéria ambiental. Referimo-nos, por exemplo, às possibilidades inevitáveis que se abrem, em obséquio aos princípios da prevenção e da precaução, à acção popular, sob a forma de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias (arts. 109.º e segs. do CPTA) ou ao uso alternativo e principal dos processos cautelares.”
(3) Exemplos paradigmáticos a que voltaremos infra.
(4) Coloca-se em causa, desta forma, e de certa forma, o tradicional papel da lei uma vez que este se mostra incapaz de prever e regular uma série de situações relacionada com o risco, técnica e ciência, estando desfasada, muitas vezes, da realidade e do progresso científico restando-lhe, muitas vezes, recorrer à indeterminação conceptual abrangente ou à dúvida juridicamente relevante que pode levar a administração a licenciar actividades de risco/ perigosas na dependência do interesse público ambiental (livre revogabilidade e revisão daquelas licenças caso o risco penda para a nocividade ambiental).