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Francisco Mendonça Narciso
Procurador da República
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Enquadramento. 3. A “(sub)utilização da suspensão provisória do Processo. 4. As várias explicações. 5. Metodologia. 5.1. As questões. 5.2. O conceito de “subutilização”. 5.3. Os dados estatísticos. 5.4. A delimitação do universo do estudo com base nos elementos estatísticos. 5.5. O estudo dos processos. 6. Conclusões. Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO
Como forma de resolver os problemas de pequena e média criminalidade que a partir dos anos 60/70 do século passado se agudizaram e conduziram a um acentuado desajustamento entre a procura e a oferta judicial, a lei introduziu no sistema processual penal vários mecanismos de resolução de litígios que se afastaram dos mecanismos tradicionais, sobretudo por pressuporem, em maior ou menor grau, a obtenção de consenso, mais informalidade e maior celeridade. Entre esses mecanismos conta-se a suspensão provisória do processo, regulada no Código de Processo Penal. Verifica-se, no entanto, uma significativa unanimidade quanto à aplicação desses mecanismos: todos os autores e o próprio legislador têm vindo a considerar, desde o início, que são muito pouco utilizados. Importa, por isso, formular algumas questões: existirá, efectivamente, uma subutilização da suspensão provisória do processo?
Que factores explicarão essa possível subutilização? Qual a melhor forma de responder a essas questões?
A matéria a estudar prende-se, assim, com a aplicação da lei pelos magistrados e com as percepções dessa aplicação por parte dos autores e do legislador. Importa por isso, desde logo, fazer o levantamento das respostas que uns e outro lhe deram e preparar, desse modo, uma abordagem crítica através de uma metodologia adequada. O trabalho tem, assumidamente, uma natureza exploratória e não pretende entrar na discussão das questões de cariz dogmático-jurídico. Com efeito, a sua principal preocupação será enquadrar e definir a questão, colocar as perguntas e definir o modo de lhe responder. A fundamentação para a opção metodológica e para a abordagem crítica será feita com base no caso da comarca de Setúbal.
2. ENQUADRAMENTO
A suspensão provisória do processo foi introduzida no sistema penal português com o Código de Processo Penal (CPP) de 1988(1). Até então, na vigência do Código de Processo Penal de 1929, o Ministério Público (MP), concluída a investigação criminal, podia optar entre deduzir acusação, sujeitando o caso a julgamento, ou arquivar o processo. Deduzia acusação quando reunia suficientes indícios da prática de um crime e da identidade do seu autor; arquivava no caso contrário. A partir de 1988, reunidos indícios suficientes de um crime, pode o MP optar, também, por não acusar o seu autor, isto é, por não o levar a julgamento: verificados os pressupostos enunciados no artº 281º do citado código(2) pode – aliás, deve – suspender provisoriamente o processo, com o acordo do arguido e do assistente e obtida a concordância do juiz de instrução, mediante a imposição ao arguido de injunções ou regras de conduta. Cumpridas essas injunções ou regras de conduta, o autor do crime não
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(1) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17/2 e entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1988.
(2) Actualmente ser o crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção diferente da prisão, existir concordância do arguido e do assistente, não ter o arguido condenação anterior por crime da mesma natureza, nem lhe ter sido aplicada suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza; não haver lugar a medida de segurança de internamento; não ser a culpa de grau elevado (redacção da Lei 52/2008, de 28/8).