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Madalena Duarte
Investigadora do Centro de Estudos Sociais
Carlos Barradas
Investigador do Centro de Estudos Sociais
Ana Cristina Santos
Investigadora do Centro de Estudos Sociais e research fellow do BrikBeck Institute for Social Reasearch, Universidade de Londres
Magda Alves
Técnica do Conselho Nacional de Juventude
A IVG tem, um pouco por todo o mundo, sido alvo de inúmeros estudos centrados na questão da saúde pública, dos direitos humanos, dos direitos das mulheres, do direito à integridade corporal e do direito à vida, entre outros. Comum a estas análises é uma retórica socio-jurídica assente na lei e nos direitos. Neste artigo avaliamos as representações em torno da lei do aborto por parte dos/as diversos/as agentes envolvidos/as, como as mulheres, operadores/as judiciários/as, parteiras, profissionais de saúde, activistas e representantes de partidos políticos.
Introdução
A discussão em torno da saúde sexual e reprodutiva, e em particular o debate acerca do aborto, surgiu tarde na sociedade portuguesa, mesmo quando na cena europeia e internacional estas se tornavam questões centrais nas agendas de vários governos e de organizações intergovernamentais e não governamentais. As alterações da lei em Portugal devem-se muito às movimentações da sociedade civil, designadamente de organizações de mulheres. Este foi, no entanto, um processo lento, mesmo comparativamente com a inserção no ordenamento jurídico nacional de outros direitos das mulheres que foram sendo con- quistados após 1974. Com efeito, se Portugal conseguiu em poucas décadas obter um quadro jurídico normativo considerado progressista no que diz respeito aos direitos das mulheres, tendo em conta a lei opressora que antes vigorava, a verdade é que a despenalização do aborto se mostrou sempre uma questão difícil e que levantava fortes obstáculos por parte, sobretudo, dos sectores mais conservadores da sociedade(2).
Depois da “Revolução dos Cravos”, em 1974, esperava-se uma transformação de comportamentos não só a nível político, mas também social, cultural e comportamental. Porém, a dificuldade de certos temas penetrarem na esfera pública sem tabus, principalmente aqueles […]
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(1) Este artigo tem base em Santos, Boaventura de Sousa; Santos, Ana Cristina; Duarte, Madalena; Barradas, Carlos; e Alves, Magda (2008) “Representações sobre (i)legalidade: o caso da saúde reprodutiva em Portugal”, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (POCTI/SOC/59526/2004). O projecto decorreu no Centro de Estudos Sociais entre Julho de 2005 e Fevereiro de 2008. Este projecto teve como principal objectivo compreender as formas como a (i)legalidade é percepcionada no caso específico da saúde reprodutiva em Portugal. Algumas das questões consideradas foram as seguintes: Conhecerão as pessoas, generica ou especificamente, as leis que regulam a saúde reprodutiva em Portugal? De que modo experienciam distintas concepções de legalidade? E que factores justificam tais percepções diferenciais? Estarão as pessoas conscientes das implicações jurídicas do recurso aos serviços prestados pelas parteiras em matéria de interrupção voluntária da gravidez? De que forma é a ilegalidade percepcionada pelas mulheres quando interrompem uma gravidez? Em que medida difere o sentido individual de justiça do sentido colectivo de legalidade? E como poderão estas diferentes conceptualizações compaginar-se com as práticas discursivas e factuais dos sujeitos? Terá o referendo de 1998 sobre a descriminalização do aborto contribuí- do para transformar tais percepções? Qual o papel de activistas pro-escolha e pro-vida sobre as percepções de legalidade dominantes no campo da saúde reprodutiva? Para responder a estas questões foi desenvolvido um conjunto de metodologias, nomeadamente 27 entrevistas, individuais e colectivas, a associações da sociedade civil que trabalhassem de uma forma directa ou indirecta a questão da saúde reprodutiva; 5 entrevistas com profissionais do direito; 4 entrevistas a profissionais de saúde; entrevistas a outros/as informantes privilegiados/as, como uma parteira e um assistente social. Foram, igualmente, entrevistadas 13 mulheres, com idades e origens sociais diversificadas, que tinham já realizado pelo menos um aborto. Por fim, foram realizados três grupos de discussão: com representantes de juventudes partidárias e partidos políticos com assento parlamentar; com representantes de Movimentos pelo “Sim” à despenalização; e com representantes de Movimentos pelo “Não” à despenalização.
(2) Cf. http://www.portugaldiario.iol.pt/especial_artigo.php?div_id=&id=96128, consul- tado a 4 de Dezembro de 2007.