Responsabilidade médica em sede de diagnóstico pré‑natal (wrongful life e wrongful birth)

Vera Lúcia Raposo
Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (vera@fd.uc.pt)
Advogada da Área Saúde da Vieira de Almeida e Associados (vlr@vda.pt)

SUMÁRIO: 1. As obrigações do profissional médico 2. As wrong actions 3. Breve olhar sobre a jurisprudência nacional 4. Pontos controversos em termos de responsabilidade médica 5. Uma antevisão do futuro

1. As obrigações do profissional médico

No desempenho da sua atividade o médico [1] incorre, como de resto qualquer outro profissional, em responsabilidade civil e criminal.

A responsabilidade civil do médico destinase a, por um lado, ressarcir o paciente lesado dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, por outro lado, apresenta igualmente uma dimensão sancionatória e fomentadora da diligência médica[2].

Já a responsabilidade criminal assume uma função essencialmente sancionatória, e que se materializa numa sanção patrimonial (pena de multa) ou inclusivamente numa sanção pessoal de privação da liberdade (pena de prisão).

A imputação de qualquer uma destas modalidades de responsabilidade pressupõe, como seu ineliminável requisito, o cometimento de uma falta médica[3], isto é, a violação culposa de uma das específicas regras da arte médica, vulgo, leges artis[4].

No campo específico da medicina obstetrícia o médico deve, de acordo com as leges artis[5] que se lhe impõem, tomar as seguintes cautelas:

i) Prescrever a realização de todos os exames que considere pertinentes no caso concreto, seja durante a gestação, em sede de diagnóstico prénatal (DPN)[6], seja antes da mesma, em sede de diagnóstico préconcecional (DPC)[7];

ii) Realizálos de forma correta, tal como estipulado pelas regras técnicas aplicáveis;

iii) Proceder à sua adequada interpretação, de acordo com as regras cientificamente vigentes em cada momento, e sublinhando nos resultados apurados eventuais limites técnicos à respetiva fiabilidade;

iv) Comunicar na íntegra os resultados dos referidos exames aos pais, acompanhados dos devidos esclarecimentos, para que estes possam tomar uma decisão livre e informada quanto ao prosseguimento ou interrupção da gravidez[8].

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[1] Falamos aqui de “médico” apenas para facilidade de discurso. Na verdade, sujeitos desta responsabilidade podem ser outros intervenientes que não exclusivamente médicos, tais como o técnico de laboratório que trocou inadvertidamente as amostras de sangue, ou a enfermeira que não registou no processo clínico uma informação relevante acerca do paciente (por exemplo, o seu historial familiar) e que imporia a realização de determinado exame de diagnóstico. Cfr. Andrea MACÍA MORILLO, “La Responsabilidad Civil Médica…”, p. 16.

[2] Sublinhando o papel da responsabilidade civil do médico como forma de fomentar a diligência, Fernando ARAÚJO, A Procriação Assistida…, p. 100; André Gonçalves PEREIRA, O Consentimento Informado…, p. 391.

[3] Sobre a falta médica, Vera Lúcia RAPOSO, Do Ato Médico…, p. 13 ss.

[4] Uma análise sobre o significado e conteúdo das leges artis em José Francisco de Faria COSTA, O Perigo em Direito Penal, p. 529, 532; Sónia FIDALGO, Responsabilidade Penal…, p. 71 ss.

[5] Sobre a violação de leges artis como base fundamentadora da responsabilidade médica, Conceição CUNHA, “Algumas Considerações…”, p. 809/854; Álvaro DIAS, Procriação Assistida…; Jorge de Figueiredo DIAS, Sinde MONTEIRO, Responsabilidade Médica em Portugal; M. GÓMEZ JARA, La Responsabilidad…; J. M. Martins NUNES, Da Responsabilidade…; André Gonçalves PEREIRA, O Consentimento Informado…; Rute Teixeira PEDRO, A Responsabilidade Civil do Médico; Álvaro da Cunha RODRIGUES, “Reflexões…”, p. 161/252. Vide também FRANCO CAIADO GUERREIRO E ASSOCIADOS, Guia da Responsabilidade dos Médicos…

[6] O DPN referese, em termos genéricos, ao conjunto de métodos de exame  amniocentese, cordocentese, citogenética molecular, exames de ADN  que permitem a deteção de defeitos congénitos ou de doenças genéticas durante a gravidez.

Mais informações em Rui NUNES, “Questões Éticas…”, e “O Diagnóstico PréNatal…”, p. 81/132.

[7] O DPC referese a uma consulta de aconselhamento genético destinada a auxiliar os futuros pais a programar a gravidez, sobretudo quando exista um grau apreciável de risco para a descendência em virtude de causas genéticas.

[8] Sobre o dever de informação ao paciente em geral, André Dias PEREIRA, O Consentimento Informado…. Sobre o dever de informação neste domínio particular, M. N. PACHECOJIMÉNEZ, “Acciones Wrongful Birth…”, p. 9.