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Ana Rita Alfaiate
Assistente-convidada da Faculdade de Direito
da Universidade de Coimbra
e doutoranda na mesma Faculdade.
Investigadora do Observatório Permanente da Adopção
SUMÁRIO: 1. Enquadramento da problemática e justificação da opção. 2. O princípio da boa fé no seu sentido negativo e no seu sentido positivo. 3. Responsabilidade processual por violação do princípio da boa fé. 4. Os pais biológicos como partes nos processos prévios à adopção — a confiança judicial e a confiança com vista a futura adopção. 5. O processo de adopção e o superior interesse da criança ou do jovem. 6. A responsabilidade processual dos pais biológicos por violação do princípio da boa fé. 7. Exemplos de violação do princípio da boa fé no sentido negativo e no sentido positivo. 8. Reflexão final.
1. Enquadramento da problemática e justificação da opção (*)
O processo de adopção caracteriza-se por ter inerente uma complexidade própria, desde logo atenta a sua especificidade de fim. O tempo em que o processo se decide e se dá execução à declaração de adoptabilidade de determinada criança resulta como inequívoca medida do sucesso da decisão. Atenta esta realidade e não descurados os papéis dos diferentes actores do sistema é que se tem, portanto, veiculado a necessidade de proteger o chamado tempo da criança, corolário indiscutível do seu superior interesse.
O tempo da criança é um tempo breve, vivido com a intensidade do somatório de momentos imprescindíveis que hão-de compor o adulto futuro. Na articulação de interesses que subjaz ao processo de encaminhamento de uma criança para a adopção encontramos manifestações diversas de atropelos àquele superior interesse. Algumas delas subsistem pelas gerais diligências dilatórias das decisões que atempadamente acautelem a protecção do tempo das crianças. Outras, podemos encontrálas em actividades ou omissões que levam ao adiamento da decisão de adoptabilidade num caso concreto.
A propósito desta última consideração, sublinhe-se que os pais biológicos, bem assim como os que relativamente à criança se posicionem em lugar equivalente ao que caberia aos pais, seja um representante legal diverso ou um guarda de facto, têm, não raro, responsabilidades acrescidas nestes atropelos ao superior interesse da criança em geral e ao tempo da criança em especial.
Ao longo do presente texto, pretendemos fundamentar a aplicação do regime da responsabilidade processual aos pais biológicos. Fá-lo-emos recorrendo à caracterização do princípio da boa fé, procurando maximizar o nosso esforço por recurso a exemplos de violações deste princípio em cada uma das suas dimensões — a negativa e a positiva.
Pretendemos, a final, perceber o interesse prático da admissão deste tipo de responsabilidade processual com causa no processo de adopção ilegitimamente conduzido por uma das partes que, no caso, são os pais biológicos, como efeito securizante e garantístico do interesse inerente à causa e que é o superior interesse da criança ou do jovem.
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(*) O texto corresponde, praticamente sem alterações, ao trabalho de doutoramento apresentado, no âmbito do Seminário Geral do Curso de Doutoramento 2009/2010 da FDUC, ao Exmo. Senhor Professor Doutor Luís Miguel Andrade Mesquita. Cabe referir aqui, ainda, que os pontos 2 e 3 do trabalho reproduzem os ensinamentos e a compreensão do princípio da boa fé processual deste mesmo Professor. Foi, indiscutivelmente, a sua aula a razão maior para nos termos dedicado a explorar este tipo de responsabilidade. Aliado o gosto que nascera aos conhecimentos oriundos do trabalho diário como investigadora do Observatório Permanente da Adopção, foi assumindo contornos mais definidos aquilo que entendemos poder designar por responsabilidade processual dos pais por violação do princípio da boa fé nos processos de adopção.