Trajes Judiciários Portugueses

 

Panos para um Património Vestimentário: Toga Forensis(1)

António Manuel Nunes (2)

De que se fala, quando se fala da toga forense? Obviamente de um traje profissional talar português, identitariamente associado a funções togadas como sejam as dos juristas e docentes de ensino superior universitário. No caso vertente, o nosso objecto versa os actos de exercitação legítima da advocacia lusitana. O trabalho de pesquisa levado a cabo permitiu edificar um corpus de fontes escritas, iconografia, testemunhos orais e registo de práticas oficinais revelando não uma toga de modelo estandardizado, mas antes: três grandes tipologias vestimentárias com radicação geo-cultural nas regiões de Lisboa, Coimbra e Porto; uma veste publicamente afirmada desde a instauração do liberalismo que tem sido parte activa e incontornável na construção do estado de direito no transcurso de diferentes regimes políticos; a primeira veste judiciária portuguesa que desde 1913 abriu pioneiramente portas à feminilização em Portugal; a veste por excelência do jurista-tribuno que no culto de uma oratória eloquente foi comparado aos grandes tenores solistas do Teatro de São Carlos.
Este resultado é surpreendente e convida-nos a um novo olhar sobre a riqueza e plasticidade da toga enquanto veste talar.
Basta ser a toga usada em contextos profissionais e cerimonialísticos para que esteja tudo bem? As recomendações de organismos como a UNESCO alertam-nos para a necessidade de assunção de atitudes de cidadania proactivas, vocacionadas para a salvaguarda e revalorização do património herdado. À semelhança dos monumentos, do ambiente, das instituições da cultura imaterial, dos sistemas simbólicos tradicionais e da fauna e flora ameaçadas de extinção, os objectos civilizacionais não são eternos.
Como tal, não basta usar. É necessário assumir uma nova atitude de utência responsável perante o património vestimentário.

Não é possível indicar uma certidão de nascimento precisa quanto à emergência da toga. Pelo Alvará de 30 de Junho de 1652, se estabelecia que “Os escrivães e Advogados não entrarão nas Relações e audiências com os trajos proibidos neste Alvará, nem espadas”. O normativo citado não institui propriamente um traje profissional, nem dá fé de outro préexistente, limitando-se a impor o porte de cores sóbrias, afinadas pela austera paleta ibérica tridentina.
Alguns advogados retratados por pintores europeus dos séculos XVI e XVII posam em traje civil (Giovanni Moroni(3), Giuseppe

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(1) Prestaram preciosa ajuda na fase de recolha de dados para este item a Dra. Isabel Cambezes e o Dr. Duarte Catalão (Ordem dos Advogados); Dr. Alberto Sousa Lamy (Advogado na Comarca de Ovar); Dr. João Pedro Melo Ferreira (Advogado na Comarca de Estarreja, informações e cedência de imagens da toga paterna, algumas remontantes a ca. 1952, data em que o Pai, também advogado concluiu o curso de Direito em Coimbra e mandou fazer a toga por um modelo mais antigo); Dr. Adriano Garção Soares (Advogado na Comarca do Porto, diversas informações sobre a toga de alamares e epitógio, remontantes a seu Pai, o Advogado Dr. Inácio Garção Soares, formado na Faculdade de Direito da ULisboa por volta de 1926); os amáveis proprietários da Academia Maguidal, Fernando Almeida e Teresa Gonçalves. Alguns anos antes, em 1995, foi-me possível aprofundar o conhecimento do modelo conimbricense por contacto directo com o falecido Alfaiate Sr. Quaresma, com oficina às escadinhas do Largo da Portagem.
(2) Investigador do CEIS20, Chefe de Divisão de Arquivo e Património Histórico da Secretaria-Geral do Ministério da Justiça.
Estudo monográfico publicado na sequência de Trajes Judiciários Portugueses. A Beca. In Revista do Ministério Público, n.º 113, Ano 29, Janeiro-Março 2008, pp. 179-222, e respectiva bibliografia.
(3) Giovanni Baptista Moroni (1522-1578), “Retrato de um Letrado” (Advogado), ca. 1570, indumentária preta renascentista constituída por meias altas, calções de balão, gibão e gorra de veludo.