Page 8 - REvista do Ministério Público Nº 81
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A este sentido menos formal de crime internacional corresponde já o estatuto do Tribunal Internacional
para o Ruanda, o qual definiu crime para a humanidade como sendo os crimes de homicídio,
exterminação, escravidão, deportação, aprisionamento, tortura, violação, perseguição com motivos
políticos, sociais e religiosos e outros actos desumanos quando cometidos como parte de um ataque
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sistemático contra populações civis com motivações nacionais, políticas, éticas, raciais ou religiosas (artigo áã
3o do Estatuto do Tribunal Internacional para o Ruanda).
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Por outro lado, o estatuto dos dois tribunais internacionais mais recentes prevê ainda as violações graves ê
das Convenções de Genebra através de actos de violência contra pessoas e grupos, tais como a tortura e çáíé
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a deportação de populações. Das convenções de Genebra de 1949 faz parte a Convenção relativa à úç
Proteco das Vítimas dos Conflitos Armados não Internacionais, o que é demonstrativo de um àãã
alargamento do conceito de crime internacional aos crimes cometidos contra as pessoas, mesmo fora de é
um puro contexto internacional.
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A isto tudo acresce, como mero reforço, que do Estatuto do Tribunal Internacional Criminal constituído pelo ç
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Tratado de Roma de 1998, mas ainda não vigente, por falta de número suficiente de ratificações, constam á
como crimes sob a sua jurisdição, para além dos crimes de guerra e de genocídio, os crimes contra a ç
humanidade definidos nos termos dos tribunais internacionais ad hoc referidos, mas prescindindo da çõãçççõíãá
referncia s motivaes nacionais, religiosas, sociais ou políticas. Acentua-se apenas o ataque planeado óãã
e sistemtico contra populações civis e aumenta-se o elenco dos tipos incluídos, através de vários crimes çíççç
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sexuais e de esterilizao forçada. Por outro lado, descrevem-se os actos desumanos como actos ã
anlogos aos outros identificados, desde que causem grande sofrimento ou grave lesão para o corpo ou
para a sade fsica e psquica.
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Ora, estes factos pelos quais a comunidade internacional já imputou responsabilidades a alguns indivíduos ãá
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constituem as incriminaes de um verdadeiro Direito Penal Universal, não dependente de convenções e çãâçá
latentemente vigente. A sua concretização nos estatutos dos tribunais é apenas um instrumento de õã
autolimitao processual ( 8 ) da comunidade internacional no sentido de adequar às necessidades â
concretas a sua interveno.
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No h, porm, qualquer retroactividade na aplicação deste Direito a situações análogas àquelas em que a çá
comunidade internacional manifestou vontade e capacidade punitivas. Ou, se quisermos por outra via íã
enfrentar, de modo mais seco e pragmtico, o problema, apelando à posição de Hart ( 9 ) quanto ao Direito çáç
emergente de Nuremberga, deveremos reconhecer que o Direito Internacional será legitimamente ãéã
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retroactivo em nome de uma posio moral, se como tal se autodefinir, e na medida em que a comunidade ó
internacional assuma a preponderncia da justia e da protecção dos direitos humanos relativamente a um ê
valor formal da segurana.
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8. Perante um eventual fracasso na constituio de um Tribunal Internacional para Timor será impensável ã
e inaceitvel que o poder punitivo do futuro Estado timorense venha a tornar-se o instrumento do Direito ó
Internacional Penal, sem violao de princpios do Estado de Direito e da função legítima do Direito Penal
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de um Estado soberano?
A partir do momento em que Timor seja aceite na comunidade de Estados internacionais, será legítimo que ã
no abdique do poder de definir o mbito da sua lei interna, integrando nela os princípios do Direito ç
Internacional Penal e, nomeadamente, o direito a um Processo Penal justo. êá
Mas esta soluo, s justificvel enquanto Timor se concebesse como delegado da comunidade
internacional, , obviamente, a menos desejvel para a prpria comunidade internacional e para o Estado
timorense.
9. Em todo o caso, no dever em funo do prprio interesse de Timor e do princípio da oportunidade no
plano internacional, impedir-se a constituio de qualquer poder punitivo internacional? Não será um puro ã
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retribucionismo punir os crimes que assinalaram, e ainda assinalam, o nascimento de um Estado? çõãã
E a eventual justificao preventivista, em nome do exemplo para outras situaes internacionais, não é ç
uma pura manifestao de utilitarismo? A existncia de vrios focos graves de conflitos no mundo, õ
afectando as populaes civis, no tornar at perigosa, para a ordem internacional, a rígida exigência de çé
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um Tribunal Internacional Penal para Timor?
A impossibilidade poltica de constituir um tribunal internacional em certas situaes, sobretudo quando
est em causa o conceito de guerra de agresso, no pode inviabilizar a criao de um Tribunal
Internacional para Timor, em que uma tal dificuldade no se suscita. Se o Direito significar algo diferente
da poltica, um dever que se impe por si mesmo, uma validade autntica ( 10 ), no a dificuldade política
em ser eficaz em todas as situaes e globalmente que justificar a omisso quando puder ser eficaz
numa concreta situao.
Tambm no ser, obviamente, pura retribuio, sem qualquer efeito, a aplicao do Direito Internacional ç
Penal, porque a eficcia preventiva, pelo menos no plano do reforo da conscincia internacional sobre a ã
validade do seu Direito, no ser pequena. E uma tal dimenso preventiva exprime a preservao da
dimenso comunitria internacional de todos os indivduos.
A luta pelo Direito Internacional Penal, parafraseando agora a luta pelo Direito de Jhering, que na realidade
era, no seu tempo, luta pela dimenso subjectiva do Direito, uma das lutas do nosso tempo - a luta pela