Page 7 - REvista do Ministério Público Nº 81
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sim, Portugal a possibilidade de aplicar a lei penal portuguesa segundo os critérios de universalidade
previstos no artigo 5o, No 1, do Código Penal (mas note-se que estariam excluídos crimes de tortura e
crimes de guerra contra civis).
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5. De todas estas indagações sobre a competência internacional dos tribunais portugueses relativamente í
aos crimes contra a humanidade resulta o reconhecimento de que tem havido um acréscimo da éíáã
possibilidade de perseguição penal pelos Estados nacionais dos crimes internacionais, para além de ççóçãêç
critrios territoriais. A conjugação do princípio aut dedere aut punire (judicare) com as obrigações de ããçíãêõá
extradio e com a alargada competência dos tribunais nacionais em matéria de crimes contra a êéã
humanidade permite colmatar lacunas de perseguição penal destes crimes.
A subsistncia, na Ordem Jurídica portuguesa, da condição de punibilidade do artigo 5o, No 1, alínea c), ê
limita, porm, a plena realização desta tendência, tanto no plano de o Estado português poder reclamar a çá
extradio a um outro país, quando tenha um interesse legítimo (humanitário ou até defensivo) na õ
perseguio penal de certo agente, que não se inscreve nos interesses nacionais destacados no artigo 5o, éá
No 1, alnea b), como no plano de o Estado português autolimitar as suas possibilidades de cooperação çá
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internacional e, at mesmo, criar para si uma inútil necessidade de exercer o poder punitivo relativamente
a certos crimes.
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Um caminho para mitigar esta limitação que não criasse conflitos de competência com outras Ordens çã
Jurdicas seria o alargamento do elenco dos crimes de acordo com o princípio da universalidade, a á
supresso da condio de punibilidade do artigo 5o, No 1, alínea c), relativamente aos crimes contra a
humanidade e a introduo de critérios de oportunidade no que respeita à extradição activa ( 3 ).
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6. Timor tornou-se um caso de Direito Internacional Penal, como foi referido, não só pela revelação através çá
das prprias Naes Unidas de graves atentados contra as pessoas, como também pela própria destruição ãç
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da sociedade timorense, pelo deslocamento de grupos de pessoas e pela criação de uma situação de çõ
catstrofe humanitria.
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Tais factos, como se disse atrs, so a expressão da negação de uma ordem pacífica e democrática ç
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O reconhecimento generalizado desta situação bastaria para invocar a necessidade da criação de uma ç
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jurisdio internacional para Timor, se no acrescessem ainda o facto de não existir qualquer poder
punitivo estatal naquele territrio, a circunstância de a potência administrante, Portugal, não ter í
competncia internacional para julgar tais crimes e ainda o problema de a potência ocupante ser suspeita
de responsabilidades na perpretao daqueles actos. A eventual competência penal universal de outros
pases enfrentaria tanto conflitos de competncia e dificuldades de concretização de investigações no ú
plano internacional como falta de interesse de outros Estados em efectivarem o processo da justiça penal. à
Esto, portanto, preenchidas as condies que justificam a legitimidade de uma jurisdição internacional: a
inexistncia de alternativas respeitveis de exerccio imparcial e adequado do poder punitivo e a natureza
dos actos perpetrados.
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7. No que se refere natureza dos actos perpetrados, apreciados numa dimensão objectiva, de desvalor
ao resultado, independentemente da imputao de responsabilidades, não oferece hoje dúvidas que tais é
actos atentaram contra bens de valor internacional, constitutivos da tutela protectiva de um Direito
Internacional Penal. Uma tal afirmao vlida tanto no plano da existência de Direito Internacional Penal
(anterior) aplicvel ( 4 ) como na perspectiva de um novo Direito que, retroactivamente, pelo menos de óã
modo formalmente retroactivo, viesse cobrir tais factos, imagem do Direito aplicado nos vários tribunais é
internacionais criminais, independentemente do contedo do Direito indonsio que poderia ser aplicado em
Timor antes e durante a prtica daqueles factos.
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Dos estatutos dos vrios tribunais internacionais criminais e do costume internacional que vários Estados ç
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tm integrado resulta, claramente, que existe hoje, na comunidade internacional, um costume internacional
suficientemente reiterado e reconhecido no sentido de que so crimes os atentados graves contra as ã
pessoas e grupos, ainda que fora de situaes de conflito internacional ou de guerra ( 5 ).
A dignidade internacional dos crimes resulta, na perspectiva da estrutura da aco, da conexão de tais
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factos com o exerccio de certas formas de poder poltico, econmico, militar ou religioso contra ãí
populaes ou pessoas individualizadas, pressupondo um foco de alterao da ordem pacífica e
democrtica vigente entre os povos e as sociedades ( 6 ). Por outro lado, o carcter internacional afere-se, é
ainda, pela grave destruio de condies essenciais da existncia humana, cuja preservao o mínimo ã
dos fins comuns a todos os povos.
O conflito internacional, a existncia de guerra, e a interterritorialidade no so hoje considerados aspectos
essenciais do Direito Internacional Penal. A "internacionalidade“ , antes, a expresso da natureza dos
interesses postos em causa por tais crimes ( 7 ). Neste sentido, os crimes contra a humanidade, como a
tortura, a violncia social ou religiosa, os crimes de guerra contra civis e os crimes de genocdio so crimes
internacionais.