Page 101 - Revista do Ministério Público Nº 49
P. 101












Revista: No 49 - 1o trimestre de 1992
Capítulo: Vária
Título: B) Recortes - O «macho ibérico» e o Supremo Tribunal de Justiça
Página: 195
ó
é
óãççéç
çíãç
B) Recortes - O «macho ibérico» e o Supremo Tribunal de Justiça
ãéçãã
é
ç
A situao era, como todos sabem, alarmante. ã
As deambulações do «macho ibérico», no nosso país, rareavam. Reduzido a zonas cada vez mais ó
afastadas da civilização, temia-se mesmo pela sua extinção. Poucas vozes se levantavam em sua defesa, ó
esquecendo-se da importância do «macho ibérico» para a manutenção de um equilíbrio eco-ambiental. óúçéú
Mas, felizmente, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) não estava distraído e o Acórdão de 18 de Outubro çã
ãàõ
de 1989, subscrito pelos juízes-conselheiros Vasco Tinoco, Lopes de Melo, Ferreira Vidigal e Ferreira Dias, áçãú
demonstrou de uma forma inequívoca que as preocupações ecológicas e ambientalistas se encontram, éã
hoje em dia, nos lugares mais inesperados. íç
Svetlana e Dubrova eram duas jovens jugoslavas. «Duas raparigas novas mas mulheres feitas», nos óçãõãé
dizeres deste acrdo do STJ que, a partir de agora, citaremos amiúde. No Verão de 1988, puseram-se à é
õ
boleia na EN 125,  sada de Almansil, pretendendo, dessa forma, deslocarem-se para Faro. Apanharam çõíã
boleia do Antnio e do Jos, 2 rapazes portugueses de 18 e 22 anos. A certa altura, o António, que ia a ãó
conduzir, virou para uma estrada de terra batida e parou num campo de alfarrobeiras, onde não havia casa 
nem pessoas nas proximidades. Depois, o António «envolveu o pescoço da Svetlana e desabotoou-lhe a éú
ó
blusa que trazia vestida». A Svetlana e a Dubrova pediram-lhes que as levassem para Faro. O António ó
disse que o faria «mas s depois». De seguida, puxou as 2 jovens turistas jugoslavas para fora do carro. é
Elas, naturalmente, j tinham percebido a «boleia» que tinham apanhado. A Svetlana agarrou-se ao José, àó
que ainda nada fizera e que tinha s 18 anos, «passou-lhe o braço por cima do ombro» e «disse-Ihe que o 
preferia a ele». O Jos agarrou-a «com força e obrigou-a a afastar-se alguns metros do veículo». Depois, çõóã

empurrou-a, atirou-a para o cho e enquanto ela tentava libertar-se, «tirou-lhe os calções e as cuecas e ó
tirou as suas prprias calas». Com ela deitada no chão, deitou-se sobre ela, tentando, contra a vontade 
da jovem Svetlana, «manter com ela relaes de sexo». Mas como ela ofereceu resistência e porque o é
Jos «nunca havido tido relaes sexuais com alguma mulher e não soubesse o que havia de fazer, não êáóã
conseguiu consumar o seu propsito, acabando por se levantar, assustado quando ouviu a Dubrova gritar . ú
óã
A Svetlana «aproveitando-se de tal facto... vestiu-se e fugiu». O António perseguiu-a, agarrou-a e trouxe-a óã
para o p do carro enriquecida por numerosas escoriações e equimoses que, neste curto passeio, 
coleccionara... Dvidas no havia de que o Jos tinha agido «deliberada, livre e conscientemente, com o 
propsito de manter relaes de sexo de cpula completa com a Svetlana, contra a vontade desta» e que óã
óí
«s no o conseguiu por razes alheias  sua vontade». 
Entretanto, a Dubrova tinha tentado fugir, mas o Antnio agarrou-a, e fê-la cair no chão do joelhos e, com óã
ela cada, «agrediu-a com pontaps pelo corpo e, agarrando-a pela blusa, arrastou-a pelo chão cerca de 
10 metros». A Dubrova tentou libertar-se dele, mas «este esbofeteou-a e, agarrando-a por um braço, 
ameaou-a com o punho fechado de que a esmurraria». Em seguida, tirou-lhe os calções e as cuecas. 
é
Como ela tentasse, uma vez mais, libertar-se dele, o Antnio mandou-a calar e que estivesse quieta. ã
Intimidada, a Dubrova no ofereceu mais resistncia, pelo que o António a violou, «contra a vontade çõ
desta». A Dubrova, depois de ter sido violada pelo Antnio, cheia de equimoses e escoriações, com medo á
que este a continuasse a maltratar, «tornou-se amvel», elogiando-o mesmo, «dizendo que (ele) era muito ú
bom a manter relaes sexuais, tendo, assim, com a sua atitude conseguido que o António as trouxesse à

para Faro, onde as deixou». ç
O julgamento veio a fazer-se no Tribunal de Faro, sendo o Antnio condenado, por um crime de sequestro ã
e um crime de violao na pena nica de 3 anos e 4 meses de priso (1 ano pelo sequestro e 3 pela çó
violao o que somado juridicamente, o chamado cmulo jurdico, deu os 3 anos e 4 meses). O José,, pela ã

tentativa de violao, foi condenado a 10 meses de priso, suspensos por 3 anos. ó
Diga-se que, nos termos do artigo 160o e artigo 201o do Cdigo Penal, a pena para o crime de sequestro 
vai at 2 anos de priso, podendo ir at 10 em determinados casos; quanto  violao, a pena pode ir de 2 óí
a 8 anos. Como  evidente, a defesa, certamente satisfeita, no recorreu e o recurso s foi apresentado ã
pela acusao pblica no que se refere ao Antnio. Segundo o Ministrio Pblico, o Antnio «não devia ser 
ê
condenado em pena nica inferior a 5 anos». 
Analisando a pena imposta ao Antnio, este acrdo do STJ publicado no «Boletim do Ministério da 
Justia» No 390, de Novembro de 1989, tece as seguintes consideraes, que, embora longas, não se 
pode deixar de transcrever na ntegra, para total compreenso do seu carcter ecolgico e ambientalista:


«... Se  certo que se trata de dois crimes repugnantes (o sequestro e a violao) que no tm qualquer 
justificao, a verdade  que, no caso concreto, as duas ofendidas muito contriburam para a sua 
realizao. Na verdade», continua o acrdo, «no podemos esquecer que as duas ofendidas, raparigas 
novas, mas mulheres feitas, no hesitaram em vir para a estrada pedir boleia a quem passava, em plena










   99   100   101   102   103