Page 102 - Revista do Ministério Público Nº 49
P. 102










coutada do chamado «macho ibérico». É impossível que não tenham previsto o risco que corriam; pois 
aqui, tal como no seu país natal, a atracção pelo sexo oposto e um dado indesmentível e, por vezes, não é 
fácil dominá-la». Ora, afirmam os subscritores do acórdão em apreço, «... ao meterem-se as duas num 
automóvel justamente com dois rapazes, fizeram-no, a nosso ver, conscientes do perigo que corriam, até 
éãí
mesmo por estarem numa zona de turismo de fama internacional, onde abundam as turistas estrangeiras éí
habitualmente com comportamento sexual muito mais liberal e descontraído do que a maioria das nativas».
ê
Estas considerações em torno do «macho ibérico» e da existência de um tipo novo de coutadas, continuam áç
nos seguintes moldes: «De resto, as duas ofendidas deviam ser raparigas de comportamento sexual éãó

experiente e desinibido, pois vem provado que a Svetlana, perante a perspectiva de ser violada, optou por éáã
escolher um dos arguidos para o fazer e logo «lhe passou o braço por cima dos ombros». Por sua vez a á
Dubrova rapidamente(e deixou de oferecer resistência à violação e, no fim, até elogiou a forma e o ardor 
viril com que o seu violador tinha com ela copulado».
éáá
é
Esta prosa, apesar de intensamente ecológica e ambientalista, não deixa de censurar o comportamento do áã
«macho ibrico», como resulta dos parágrafos seguintes do excerto que, a contragosto, estamos a 
transcrever: «Isto não quer dizer que a actuação do António não seja censurável, pois sem dúvida é
nenhuma que o . Possivelmente, outras formas haveria, contudo, de ele manter relações com uma ou, àé
at, com as duas ofendidas. À força, como o fez, é que não. De qualquer maneira, a gravidade do ilícito do çé

caso concreto est, como se disse, algo esbatida...». Por todo o exposto, o STJ entendeu agravar a pena 
de 3 anos e 4 meses para 4 anos, já que não tinha havido um crime de sequestro e um de violação, mas í
sim dois crimes de sequestro e um de violação.
ú
Confesso que comentar este acórdão (infelizmente, não conheço o teor exacto da decisão da 1a instância) ãá
 penoso e o recurso  ironia no é particularmente feliz. Como é possível, por exemplo, considerar que a é
ééí
Dubrova «rapidamente deixou de oferecer resistência», depois de se dizer que foi atirada ao chão quando 
tentou fugir, agredida com pontaps e arrastada pelo chão 10 metros e quando se tentou libertar outra vez ã
foi esbofeteada e ameaada com um punho cerrado; e que, depois de lhe terem sido tirados os calções e á
as cuecas, ainda tentou «mais uma vez libertar-se», mas foi mandada calar a ficar quieta pelo que, já com ç
õ
o corpo cheio de equimoses e escoriaes, «intimidada pelas atitudes agressivas, não ofereceu mais éãàçó
resistncia»?
ã
Para alm da forma preconceituosa como  olhada a mulher, em geral, neste acórdão e embora não seja àã
propriamente o tipo de comentrio que me parece correcto fazer, perante tal enormidade e mentalidade í
no se pode deixar de perguntar, se no estivéssemos perante duas jovens jugoslavas, mas duas 
ç
portuguesas do meio social e familiar dos julgadores, qual seria o seu entendimento da «resistência» que é 
necessrio opor a um violador para que a Justia olha uma mulher como verdadeiramente digna de 
proteco da lei?
Porque, para alm de tudo isto,  preciso que se diga que mesmo uma prostituta tem o direito a não ser 
violada! Poder, naturalmente, discutir-se o grau de provocação existente no comportamento da vítima á
ç
como atenuante do crime. Mas se andar  boleia na estrada principal do Algarve é atravessar, por sua ã
conta e risco, a agora judicialmente aceite «coutada do macho ibérico», estamos perante a consagração 
da «lei da selva» no pior sentido do termo!
E, relativamente ao Jos, como  possam ter-lhe sido atenuada especialmente a pena pelo Tribunal de 

Faro? Ter sido por considerar-se que foi vtima de uma «forte solicitação ou tentação da própria ç
vtima»?!? 
Este acrdo, no plano da conceptualizao, traz grandes avanos à ciência jurídica. O conceito de 
«coutada do macho ibrico», por exemplo, passa a ser um ponto de referência para toda a comunidade 
jurdica da Europa, culta e evoluda, enquanto o conceito de «zonas de turismo de fama internacional», 

embora precisando, ainda, de algum labor intelectual, j se revela de enorme utilidade para operar em ç
numerosas reas do direito penal. Quanto  figura conceptual da «atracão pelo sexo oposto», ficou 
notoriamente enriquecida com os acrescentas que lhe foram trazidos por este acórdão: ficámos a saber 
que «por vezes, no  possvel domin-la» e que a «atraco pelo sexo oposto» existe tanto cm Portugal 
como na Jugoslvia.

Svetlana e Dubrova, caso ainda no tivessem percebido o que lhes aconteceu em Portugal, ficarão 
definitivamente esclarecidas ao ler este acrdo!



Francisco Teixeira da Mota, Pblico de 22.12.91





















   100   101   102   103   104