Discriminação e contra-discriminação em razão da orientação sexual no direito português

Teresa Pizarro Beleza (1)
Helena Pereira de Melo (2)

SUMÁRIO: Introdução. 1. A homossexualidade como prática tolerada. 2. A homossexualidade como crime. 3. A homossexualidade como doença. 4. A homossexualidade como diferença. 5. A não discriminação em razão da orientação sexual na Constituição da República Portuguesa. 6. A não discriminação em razão da orientação sexual em normas de Direito Internacional. 7. Os crimes de ódio. 8. O direito de casar. 9. O direito de constituir família. 10. Considerações finais

Introdução

Há pouco mais de cem anos, em 1895, Oscar Wilde sofreu na pele as consequências de um dos mais célebres processos judiciais à scandale, em que foi acusado e condenado por crime de sodomia. Só muitos anos depois (1967) o Direito Inglês alterou as suas regras estritas nesta matéria, descriminalizando as relações homossexuais entre adultos, em privado, pressuposto o livre consentimento. Entretanto, nos últimos anos do século XX e nos primeiros do actual XXI, muitos tribunais nacionais e internacionais, legisladores e variadas outras instâncias de autoridade (incluindo a Medicina) se foram pronunciando no sentido da normalização da inclinação, identidade, preferência ou tendência homossexual, consoante o contexto e a formatação teórica do discurso.

Mas o fim da desconstrução da singular ideia de que a Humanidade se divide naturalmente entre homo e heterossexuais ainda vem muito longe… Até porque a luta contra-hegemónica que auto-identifica positivamente uma certa forma de ser, de identidade, como o oposto da discriminação passada (gay pride; black is beautiful; in a different voice, no que respeita às mulheres) torna inevitável um reforço da construção identitária que, paradoxalmente, começou por contestar. Por esta razão, todas as normas anti-discriminatórias trazem em si o ADN da discriminação que querem combater. Reforçam a convicção do senso comum (e de boa parte da ciência) de que a Humanidade se divide naturalmente entre Brancos e Negros, Homo e Heterossexuais, Mulheres e Homens… como se o nosso olhar e o nosso discurso não construíssem a Realidade, nomeando-a (3).

A sociedade sempre procurou controlar, através dos discursos religioso, moral, científico, jurídico, a vida das pessoas no plano sexual. Quando se identificou o “homossexual”, como uma forma de ser na esfera sexual, essa personagem foi vista como um desvio à normalidade, por se afastar do modelo considerado e legitimado como o “normal”: o do homem heterossexual (de preferência “branco”, casado e cristão). Assim, os homossexuais foram punidos por se desviarem dessa norma sendo assinalados e até excluídos da vida social como criminosos. Foram ainda considerados como susceptíveis de um processo de “normalização” por serem considerados doentes… e como tal passíveis de cura através de tratamentos gravemente ofensivos da sua integridade física e moral.

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(1) Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Professora de Direito Penal e de Direito da Igualdade.
(2) Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Professora de Direito Constitucional e de Direito da Saúde.