Albano Morais Pinto
Procurador da República
SUMÁRIO: I. Os tipos de responsabilidade; 1. Relação do ilícito civil com o ilícito penal tributário; 2. Da responsabilidade penal tributária, da responsabilidade civil ex delito penal tributário e da responsabilidade tributária; 3. Conclusão; II. Do pedido de indeminização civil; 1. O pedido e a causa de pedir; 2. Legitimidade activa; 3. Legitimidade passiva; 4. Prescrição; 5. Valor da vantagem patrimonial ilegítima e do pedido de indemnização civil; 6. Da (in)utilidade do recurso ao disposto no artigo 82º., Nº. 3, do CPP; 7. Vias para a determinação do valor vantagem patrimonial ilegítima e do pedido de indemnização civil; 8. Da independência da obrigação civil relativamente à valoração punitiva do facto ilícito; 9. Tributação.
I
OS TIPOS DE RESPONSABILIDADE
1. Relação do Ilícito Civil com o Ilícito Penal Tributário
Com a prática de um crime nascem, contra o seu autor, dois tipos de acções:
→ a penal, destinada a efectivar o direito criminal, com a consequente imposição das medidas punitivas por ele previstas; e
→ a civil, para o reconhecimento dos danos patrimoniais e (ou) não patrimoniais a que a infracção criminal haja dado lugar.
Ambas têm, pois, de comum e como ponto de partida o mesmo facto, que, deste modo, surge, simultaneamente, como um facto punível (no caso dos crimes tributários e desde logo, artigo 2º., nºs. 1 e 2, do Regime Geral das Infracções Tributárias) e um facto gerador de responsabilidade civil (artigo 483º. do Código Civil).
A sua conexão acaba, porém, aqui, podendo mesmo dizerse que ambas as acções são jurídica e intencionalmente diferentes.
Assim, e quando o lesado deduz no processo penal o seu pedido de indemnização, não invoca como causa de pedir o facto punível, mas o facto que, segundo a lei civil, determina o direito de indemnização (citado artigo 483º.[1]), embora, materialmente, possa ser o mesmo que está na base da responsabilidade criminal[2].
Só que, apesar de o ser, é ao ilícito civil que se reporta e às consequências que dele resultam e devem determinar a reparação dos danos por ele causados. A sua função é, pois, permitir que o lesado possa fazer valer o seu direito, senão a ser restituído ao estado em que estaria se não houvesse a lesão, pelo menos, a ser reparado patrimonialmente (artigos 562º. e 566º., nº. 1, do CC), encontrandose a razão de ser da responsabilidade no dano, no prejuízo provocado pelo facto ilícito[3], o qual surge, deste modo, como pressuposto dela e limite do direito de indemnização[4] (em ordem a que seja evitado o abuso de direito e a arbitrariedade).
Já no que concerne à responsabilidade penal, o que está em causa, o que se visa, como é sabido, é a aplicação de uma pena ou medida de segurança, em ordem à protecção dos bens jurídicos previstos pelas respectivas normas e à reintegração do agente na sociedade
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[1] Cfr., p. ex., Ac. do STJ, de 12112009, em http://www.dgsi.pt – devem entenderse como pertencentes a esta base de dados todos os demais Acórdãos a citar sem indicação do local da sua publicação e a http://www.stj.pt/ficheiros/jurispsumarios/criminal/ os que sejam citados com a referência a “Sumários”.
[2] Como diz JORGE LEITE AREIAS RIBEIRO DE FARIA, “a pretensão do lesado (ofendido) é uma pretensão civil; o lesante (arguido) deve civilmente “ (“Indemnização por perdas e danos arbitrada em processo penal – O chamado processo de adesão”, “Colecção Teses”, Almedina, 1978, p. 77).
[3] Entre outros, FERNANDO PESSOA JORGE, “Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, p. 49 e INOCÊNCIO GALVÃO TELES, “Direito das Obrigações”, Coimbra, 4ª. edição, p. 144, bem como Ac. do STJ, de 27042011, proc. n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1 3.ª Secção (Sumários, parágrafo LII).
[4] Artigos 562º., 563º. e 564º. do CC.