Page 5 - Revista do Ministério Público Nº 49
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Revista:
No 49 - 1o trimestre de 1992
Autor:
José Narciso Cunha Rodrigues
(Procurador-Geral da República)
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Capítulo:
áIntervenções Públicas
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Título:
Ministério Público - 1991
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Pgina:
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Ministrio Público - 1991 (*)
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Num sistema em que emblematicamente a justiça é administrada em nome do povo, espera-se que, no ç
incio de cada ano, representantes das magistraturas dêem público testemunho da forma como foram ou ó
podem ser realizadas as atribuições que lhes estão cometidas. çãí
Prope-se-me, assim, uma intervenção que corresponda a uma visão institucional da realidade, que não se ãé
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reduza a discurso de circunstância ou a mera formalidade.
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com este sentido que falarei sobre o estado da justiça e, em especial, sobre os aspectos que se
relacionam com o Ministério Público. ç
No concerto dos pases, o sistema judicial português é hoje reconhecidamente um ponto de referência. úãããí
Reconstrudo a seguir a um período de ruptura constitucional e testado numa época de intensa densidade
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poltica e ideolgica, aquele sistema resistiu e afirmou-se modelarmente naquilo que melhor define a
essncia da funo judicial: a sua capacidade de agir e decidir com independência face aos demais êçõ
poderes.
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Ningum fundadamente pode questionar as condições de efectiva independência de que gozam os óáãé
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tribunais e o Ministrio Pblico, o rigor com que está desenhado o estatuto da função judicial, o equilíbrio ç
que foi possvel estabelecer entre os direitos de cidadania dos magistrados e os seus ónus e deveres ãú
profissionais.
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Actuar com independncia, sem necessidade de se assumir como contra-poder, é um objectivo que cada
um dos sectores que operam na rea da justiça vem realizando com naturalidade e também com êxito. éí
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No obstante, no tm desaparecido as manifestações de insatisfação e perplexidade relativamente à úççõ
administrao da justia.
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E as razes com maior frequncia invocadas apontam para que a justiça é lenta. çú
Efectivamente, contrariando prognsticos que ns próprios temos realizado, a justiça portuguesa continua ã
a ser lenta. ãç
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A dificuldade existe e no chega para nos tranquilizar o sabermos que a situação é idêntica à da
generalidade dos pases ou que se vive um momento histórico em que emergem os primeiros sinais de um
paradigma cvico e cultural que est a ter reflexos nas concepções sobre a Justiça.
certo que difcil administrar justia numa poca de profunda aceleração social, em que as leis desabam â
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em torrentes e o valor profilctico do direito se perde na ignorância que dele tem o cidadão comum. É que çç
cada vez mais difcil conciliar o tempo da justia com o tempo de uma sociedade dominada pelos mitos õç
do conhecimento global e da informao instantnea. éã
Mas possvel racionalizar o sistema e aumentar a sua eficincia.
As pocas de transio so fecundas e propcias a transformaes, quando correctamente aproveitadas. E
no est demonstrado que um considervel nmero de problemas tenha causas estranhas ao modo como,
pelos vrios intervenientes, foram concebidos ou esto a ser accionados alguns meios. ç
Sem enjeitar responsabilidades que possam justamente ser imputadas à magistratura que represento, çõ
constato existirem alguns domnios em que o funcionamento da justia depara com bloqueamentos ç
superveis. ã
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O primeiro o da afectao e gesto de recursos. ç
A passagem de um sistema homogneo, fechado e calibrado para um reduzido volume processual, a um ã
sistema complexo e sujeito a um aumento exponencial de solicitaes, deu origem a défices de
racionalidade que imperioso reconhecer e ultrapassar. á
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Neste campo, o subsistema de auxiliares de justia constitui, como tenho vindo a afirmar, um exemplo ã
persistente de disfuncionalidade. O papel meditico que este subsistema exerce junto de quem contacta
com os servios e o princpio de confiana em que deve alicerar-se a relao magistraturas - funcionários
de justia no podem conviver num esquema em que a gesto pesada e dispersa, os níveis de decisão
ambguos e a mobilidade levada a extremos que no permitem fixar objectivos ou exigir responsabilidades.
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No que concretamente respeita ao Ministrio Pblico, a situao atingiu uma gravidade que não pode ã
deixar de preocupar-nos. A existncia de servios como o Departamento de Investigao e Aco Penal da
Comarca de Lisboa, com dezenas de milhar de processos a aguardar a prtica de actos de secretaria,
ilustra um quadro difcil de sustentar. Numa rea sensvel para a tutela dos direitos fundamentais, como é a
criminal, preocupa-nos a existncia de dotaes subdimensionadas de pessoal, frequentemente sem o
perfil adequado e, no raras vezes, constitudas, em larga percentagem, por funcionrios eventuais.
Mas o sistema confronta-se tambm com dificuldades no mbito dos recursos materiais, designadamente
em matria oramental, instalaes e de equipamentos.
Os desenvolvimentos havidos nos ltimos anos e, nomeadamente, a aco realizada por Vossa