Page 6 - Revista do Ministério Público Nº 49
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Excelência, Senhor Ministro da Justiça, fazem-nos crer que está a ocorrer uma alteração substancial de
condições, com a disponibilidade de mais edifícios, o reforço do papel atribuído às novas tecnologias e a
implantação de mecanismos de gestão coerentes e capazes. Esta circunstância dispensa-me de apontar
algumas situações que ainda conflituam com a imagem de dignidade que deve ter-se dos serviços de ÉóÉÀÉê
justiça.
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Uma área em que são também patentes os bloqueamentos é o processo. íú
conhecido como as questões processuais são geralmente tidas como responsáveis pelo mau á
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funcionamento da justiça e como se corre permanentemente o risco de ceder à tentação fácil de simplificar çêãç
e desformalizar, num domínio em que as fórmulas exercem uma importante função como instrumentos de ãáóã
ponderao e certeza jurídica. éêáí
A simplificação processual é certamente um objectivo a prosseguir. Mas tanto ou mais relevante que áàáç
realiz-la promover uma efectiva dissuasão ao uso anómalo do processo que, em Portugal, constitui ããí
çàê
seguramente um dos maiores óbices à celeridade da justiça. áçã
Algumas prticas judiciais e forenses conduzem frequentemente ao amolecimento da disciplina dos éé
cdigos. éàãç
A curta vigncia do Código de Processo Penal já mostrou que, em aspectos essenciais, a intenção do çã
legislador dificilmente tem conseguido resistir a entendimentos que, qualquer que seja o seu valor áá
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hermenutico, actuam segundo uma lógica propiciadora do entorpecimento da justiça.
Referirei apenas dois exemplos. O da instrução que, não poucas vezes, está a ser utilizada como forma de íãó
renovao do inqurito, contrariamente à sua finalidade de meio de comprovação judicial da acusação, e o áí
da contumcia, em que o arsenal de meios previstos pelo legislador se está a cumprir exaustivamente nos ççú
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aspectos burocrticos mas deixa escapar o essencial que é a possibilidade de coagir o arguido a çõã
comparecer, se necessrio por via da detenção. ãáããé
Outro domnio que necessrio ponderar é o da cooperação com a administração da justiça.
O fenmeno da evaso a actos judiciais atinge, entre nós; níveis intoleráveis, encontrando-se já
desvalorizado nas representaes sociais sobre a administração da justiça.
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As pessoas no comparecem ou no comparecem às primeiras convocatórias. ííã
Sabe-se que, por vezes, as faltas j radicam na própria probabilidade de adiamento dos actos.
necessrio romper este crculo vicioso de os actos não se realizarem por causa da ausência de pessoas íç
convocadas e de estas faltarem na pressuposição de que os actos serão adiados e aplicar, de forma ãã
proporcionada, os meios de coaco previstos na lei.
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s magistraturas e advocacia, a cada uma segundo o estatuto e as funções que lhe estão confiadas, ç
cabe um esforo de reflexo sobre o problema e uma acção quanto possível concertada, nomeadamente ãê
no que se refere ao agendamento dos actos.
Na cerimnia que assinalou a abertura do ano judicial de 1990, sugeri a realização de uma pesquisa sobre ç
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as causas da lentido da justia. é
minha convico que os elementos eventualmente disponíveis poderiam ser potenciados com uma
participao mais activa dos rgos representativos das magistraturas, da advocacia e dos demais
operadores de justia e com aces de sensibilizao da opinião pública.
Como em todos os domnios em que se coloquem questões de interprofissionalidade, reitero a ú
disponibilidade do Ministrio Pblico, para participar nesta tarefa, essencial como é para a melhoria de um õó
dos ndices que melhor permitem aferir do grau de efectividade do Estado de Direito.
Sobre o ano de 1991, os indicadores estatsticos fornecem sugestes interessantes para um diagnóstico.
Assinale-se, preliminarmente, que o facto de, nesta data, se dispor de dados praticamente definitivos ã
respeitantes actuao do Ministrio Pblico revela, quando reportado a outras épocas, uma capacidade
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de acompanhamento que s se tornou possvel com a acentuada melhoria das condições técnicas que nos
tm sido proporcionadas em alguns domnios.
Relativamente criminalidade conhecida, verificou-se, em 1991, um acrscimo de 11,6%, valor que, não çã
sendo em si alarmante, denota uma progresso a que tem de atribuir-se algum significado. Em dois anos, ç
o volume da criminalidade aumentou 24%. ã
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Uma vez mais, o crime de emisso de cheque sem cobertura pesa nesta evoluo. Em 1988, este tipo de ê
crime representava 13% do total da criminalidade, em 1989, 19,6%, em 1990, 23,5%, em 1991, 25,7%.
Sem esta incidncia, o aumento de criminalidade ficaria em 9,4%. Aguarda-se com expectativa os efeitos é
que produzir a publicao recente de legislao sobre o cheque.
A subida de criminalidade tem especial expresso nos crimes praticados com violncia e nos crimes de
trfico e consumo de estupefacientes, sem que, nestes, se possa dizer, com rigor, se ocorreu um efectivo
aumento de casos ou se o resultado se deve a uma aco mais pr-activa das polcias.
Na distribuio geogrfica destes indicadores, v-se que a presso da subida maior nas áreas
suburbanas de Lisboa e no Algarve.
O nmero de inquritos criminais concludos pelo Ministrio Pblico atingiu 322 595, cifra que reflecte o
mais elevado ndice de sempre mas que no evitou um aumento de pendncias (+5,2%).
Elevou-se a 28,8% a percentagem de processos em que foi exercida a aco penal, valor significativo,
sobretudo num ano em que se publicou uma lei de amnistia.