Page 102 - Revista do Ministério Público Nº 64
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Revista: No 64 - 4o trimestre de 1995
Capítulo: Vária
Título: A) Recortes - Muitos consumidores punidos em Tribunal
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A) Recortes çç
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Aplicao da lei da droga erra o alvo ãéáá
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Muitos consumidores punidos em Tribunal
A aplicao da actual lei da droga poderá estar a errar o alvo. Para os que dizem (como Guterres e
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Nogueira fizeram na SIC, no último debate) que o simples consumidor vem sendo perdoado ou sancionado
de «maneira quase simbólica», beneficiando da complacência dos magistrados, os números reais dão uma ç
resposta eloquente. Entre 1984 e 1994, os juízes decidiram 15.582 processos, com 17.330 arguidos, dos ãçã
quais 11.874 (68,5 por cento) se sentaram no banco dos réus sob a acusação de simples consumo de é
estupefacientes. No mesmo período, apenas 5092 traficantes foram obrigados a prestar contas à justiça. E, ç
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destes, uma significativa parcela foi julgada e condenada pelo negócio ilícito de quantidades diminutas ou úú
eram mesmo traficantes-consumidores.
Segundo dados obtidos pelo Público junto do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça,
naquele perodo de dez anos, os consumidores foram alvo da pioria das condenações, numa percentagem ó
que ronda os 58 por cento. Com efeito, dos 11.427 arguidos que foram considerados culpados pelos
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tribunais, 6.649 eram toxicodependentes.
certo que as penas que lhes foram aplicadas são muito menos graves que as dos traficantes, mas
tambm verdade que, neste perodo de 10 anos, 1.227 toxicodependentes cumpriram pena de prisão
efectiva e 2.131 tiveram de pagar multas para não irem para a cadeia. Estas cifras registaram uma
diminuio no ano de 1994, uma vez que muitos inquéritos que tinham consumidores como arguidos foram í
arquivados por aplicao da ltima lei de amnistia.
Ao contrrio do que alguns dirigentes polticos tem afirmado, a moldura penal do tráfico e consumo de
narcticos no est definida no Cdigo Penal mas numa lei especial. à
Catalizador e gerador de uma criminalidade conexa que tem provocado alarmismo social (roubos por
esticado, com uso de seringa, assaltos a pessoas e residências), o consumo e tráfico de drogas proibidas
tem sido pretexto de polmica, que sobe de tom medida que o alarme social cresce. Preocupado com o
impasse, o penalista Figueiredo Dias reconheceu, em declarações ao bíblico, que «a luta criminal contra a
droga est perdida» (edio de 25/5/95), apontando saldas - proibição do tráfico e consumo das drogas
«duras», despenalizao dos toxicodependentes que aceitem tratar-se a expensas do Estado e não
prejudiquem terceiros.
Antnio Arnaldo Mesquita, Pblico, de 17.9.95

